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quinta-feira, outubro 30, 2008

Banco da frente

"Sou um móbile solto no furacão
e qualquer calmaria me dá solidão"

Não tem mais graça confessar. Não tem mais graça tomar coragem. Não tem mais graça cuspir coragem. Não tem mais graça tpm, tempo feio, dormir até tarde sabendo que terei pesadelo. Não tem mais graça meus pensamentos que ficam meio rimando sem querer. Não tem mais graça.
Eu não estou rindo, está vendo?
Não têm mais graça aposto, vocativo, complemento nominal. Não tem mais graça digitar tudo e dar merda - o troço sumir. Não tem mais graça chorar por razões hormonais. Não tem mais graça se esconder atrás de razões hormonais, de mudanças climáticas, do tempo que corre rápido pra caramba. Não tem graça.
Não tem graça a mesma frase cinqüenta vezes. Não tem graça a morte do trema nem dos acentos em ditongos. Não têm graça as idéias que somem - com ou sem acento.

Sou mesmo um móbile solto no meio do furacão. Girando, girando, girando... até ficar tonto e descobrir que girar também não tem graça nenhuma.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Filmes de guerra, canções de amor

(humberto gessinger)
os dias parecem séculos
quando a gente anda em círculos
seguindo ideais ridículos
de querer, lutar & poder
as roupas na lavanderia...
o analista passeando na Europa...
as encomendas na Bolívia...
nas fotos um sorriso idiota
os dias parecem séculos
e se parecem uns com os outros
como enfermeiras em filmes de guerra
e violinos em canções de amor
a seguir cenas obcenas do próximo capítulo
é só virar a página e o futuro virá...
filmes de guerra, canções de amor
manchetes de jornal, ou seja lá o que for
há sempre uma estória infeliz
esperando uma atriz e um ator
há vida na terra, há rumores no ar
dizendo que tudo vai acabar
(mais uma estória infeliz
esperando um ator e uma atriz)
não tenho medo de perder a guerra
pois no fim da guerra todos perdem
no fim das contas as nações unidas
'tão sempre prontas pra desunião
não tenho medo de perder você
desde o início eu sabia
era só questão de dias
um dia iria acontecer
preciso beber qualquer coisa
não me lembre que eu não bebo
o que só nós dois sabemos
nós sabemos que é segredo
há um guarda em cada esquina
esperando o sinal
pra transformar um banho de piscina
numa batalha naval
agora sinto um medo infantil
mas na hora certa afundaremos o navio
então dê um copo de aguardente
para um corpo sentindo frio
preciso beber qualquer coisa
você sabe que eu preciso
e o que só nós dois sabemos
já não é mais segredo
se alguém, seja lá quem for
tiver que morrer, na guerra ou no amor,
não me peça pra entender
não me peça pra esquecer
não me peça para entender
não me peça pra escolher
entre o fio ciumento da navalha
e o frio de um campo de batalha
chegamos ao fim do dia
chegamos, quem diria?
ninguém é bastante lúcido
pra andar tão rápido
chegamos ao fim do século
voltamos enfim ao início
quando se anda em círculos
nunca se é bastante rápido

domingo, outubro 19, 2008

A livreira.

[sob o signo das ironias sem limites que a vida tem]

Mas também não sei, esse negócio de depressão é forçar demais a barra para mim.
E terapia é menos estético que um chute na cara.
Fato é que se eu me acostumei às amputações de pernas, braços, almas - e me criei, me refiz no processo feio e doloroso que niguém gosta de ver (como um açougue de onde provém as carnes deliciosas) - fato é que na mesma medida ou em contrapartida talvez eu não saiba é lidar com isso de realocar uma perna mecânica.
Admito o quão estranho deve ser andar com isso fingindo-se normal ao invés de um tripé.
Quem sabe agora uma bengala charmosa.
Mas eu permaneço com medo de fazer análise e perder a inspiração.
E não me rendo fácil assim não.
Sempre preferi a morte dolorosa, a angústia dolorosa do processo solitário - mesmo que sempre se tenha com quem contar - a temperatura amena de dar a mão à terapia.
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E o passado bater à porta faz pensar que, de alguma maneira, se estava era o tempo todo esperando por isso. Como uma alma saindo do forno ainda bem quente devorada num rompante. Comer quente dá dor de barriga.
Como um casal que ao invés de continuar de onde parou, resolve recomeçar do zero.
Não sei se tenho talento para espelho. Não sei se para aurora. Se para chute na cara. Sinfonia de silêncio, terapia ou rosa de lá de longe.
Sei que cada dia mais é estranho me publicar. O divórcio dos eus-líricos não funcionou afinal.
Eu tenho talento é para dar aulas de gramática.
Não sei se é/sou reconhecível.

quinta-feira, outubro 09, 2008

Em ondas salgadas com gosto de vida (e vida não no sentido de certeza, antes uma sensação tateante) eu sorvo em pequenas bocadas teu gosto.

Teu gosto que sequer é inteiro. Até por isso, uma parte justo da minha curiosidade pelas coisas inacabadas. E não-inteiro que eu digo se assemelha mais a um quebra-cabeças bagunçado do que a um copo se enchendo.

Mas na minha ilusão, eu certamente não teria a intenção de arrumar as peças, embora talvez ficasse tentada a encher o copo até a boca só para esvaziá-lo num só trago.

Mas eu não quero.

O meu prazer está antes em afundar minhas mãos lascivas nas suas peças embaralhadas só pela sensação do toque – como mergulhar a mesma mão num saco de sementes.

E se fosse um copo eu venceria meus ímpetos: sugaria um pequeno gole para cuspir de volta em seu rosto bonito. Porque bagunçar as perfeições da vida é uma das grandes perfeições da vida. Assim como embaralhar aleatoriamente cartas bagunçadas.

Isso tudo para dizer que tua perfeição (bem como teus defeitos) me seduzem ao passo que me repelem. Como uma vontade birrenta de desenhar um retrato só para jogar um balde de tinta por cima.

Não entenda mal que isso nada tem a ver com morder e assoprar. Talvez antes disso, com dar-me de graça, com graça e força e depois esperar em troca um afago infantil.

Ou oferecer minha nudez sob máscara e figurino d’uma personagem e esperar de volta tua mais funda verdade. Ou como selecionar uma a uma as palavras de minhas confissões e esperar ler-te num vômito de sinceridade.

E já faz tempo os meus vômitos são provocados pelo dedo na garganta.

E já faz tempo minhas dores são provocadas pelo dedo na ferida.

E já desde não sei quando minha espontaneidade é premeditada.

E já há muito minhas verdades comuns só vêm à tona quando ninguém me vê.

A máscara grudou no meu rosto.

A pintura dos olhos – de riso ou de lágrima – parece permanente.

A roupa ou a nudez são meticulosamente preparadas.

E minha face mais real tem o olhar vazio nas noites de chuva.