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terça-feira, fevereiro 28, 2012

Eu só queria que ainda fosse tempo de chorar achando que o choro faz passar. Queria fazer birra, gritar que não quero, que vou ficar em casa sofrendo a minha angústia só com meu travesseiro - e aí não ter que resolver, não ter que lidar com dois lados ainda mais incompatíveis do que toda a minha bipolaridade inventada. E aí, seríamos só nós vivendo a entrega quase infantil de tão sincera, mas que tem os percalços de vermelhidão intensa. Queria que não tivesse sempre essa sombra de insanidade me rondando, ameaçando, impelindo a escrever como uma velha e falha forma de buscar uma lucidez inatingível.

Eu tinjo detalhes com verdes e azuis que também não apagam. Tudo parece um pouco sem saída e meus dedos já estão muito em carne viva de cavar. As tempestades sempre vem intensas e costumam buscar nos dias de sol intenso uma espécie de expressão da sua ironia. Já se passaram quatro minutos do que devia e treze mascarados repetidamente em dez anos que o mesmo filme se repete. Releitura, outros contextos e, dessa vez, uma responsabilidade enorme pedindo que eu escreva um fim perto o bastante de definitivo. Amém.

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

La critique (Ana Carolina)


É a loucura não existe.
A loucura está em todos os lugares ao mesmo tempo.
Normal é o tédio dos dias sem graça que as pessoas fazem pra elas mesmas.

Saudade não é salgada não. A saudade é doce.

Eu quero permanecer calado escutando tudo.
O meu passado é de conversador, bom falador, namorador...
Penso, penso, penso, penso...
Consegui dizer tudo...
Tu ficava atrás das linhas da vida.
Sou de esquerda pô...!
O que eu quero dizer com isso? Nada to comentando!

Porque eu sou da luz, porque o único escuro que eu carrego é a sombra que o meu corpo produz.

Eu dou tantas voltas é proibido parar.
Isoglócia...
Isoglócia é a sua forma de falar, sua expressão, sua variado de seletivas de línguas.

E a pessoa que faz isso e faz aquilo e o que não faz fica mais velho, e a velhice vem mais rápido.

Daqui a pouco encontrar uma carta de euforia.

E quem não é?

Sexo é bom!
Eu paguei pra fazer.
Dez reais.
Foi bom!

Possuir razão é impor.
Pessoas que vivem fora da sanidade.

Falar, falar, falar, falar hen, hen, hen, hen, hen, hen...

Quem é você?
Quem é você?
Quem é você?
Quem é você?
Eu to perguntando quem é você?

Eu sou gente!

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Conto de verão nº 2: Bandeira Branca (Luis Fernando Veríssimo)

Não é Natal, é Carnaval... e Carnaval sempre me lembra esse conto - ou melhor, me lembra um programa que existia na TVE chamado "Contos da Meia-Noite", se não me engano, era Maria Luiza Mendonça (ou uma atriz que eu confundo com ela) quem lia esse que, sim, é realmente do Veríssimo (o filho):



Ele: tirolês. Ela: odalisca; Eram de culturas muito diferentes, não podia dar certo. Mas tinham só quatro anos e se entenderam. No mundo dos quatro anos todos se entendem, de um jeito ou de outro. Em vez de dançarem, pularem e entrarem no cordão, resistiram a todos os apelos desesperados das mães e ficaram sentados no chão, fazendo um montinho de confete, serpentina e poeira, até serem arrastados para casa, sob ameaças de jamais serem levados a outro baile de Carnaval.
Encontraram-se de novo no baile infantil do clube, no ano seguinte. Ele com o mesmo tirolês, agora apertado nos fundilhos, ela de egípcia. Tentaram recomeçar o montinho, mas dessa vez as mães reagiram e os dois foram obrigados a dançar, pular e entrar no cordão, sob ameaça de levarem uns tapas. Passaram o tempo todo de mãos dadas.
Só no terceiro Carnaval se falaram.
- Como é teu nome?
- Janice. E o teu?
- Píndaro.
- O quê?!
- Píndaro.
- Que nome!
Ele de legionário romano, ela de índia americana.
Só no sétimo baile (pirata, chinesa) desvendaram o mistério de só se encontrarem no Carnaval e nunca se encontrarem no clube, no resto do ano. Ela morava no interior, vinha visitar uma tia no Carnaval, a tia é que era sócia.
- Ah.
Foi o ano em que ele preferiu ficar com a sua turma tentando encher a boca das meninas de confete, e ela ficou na mesa, brigando com a mãe, se recusando a brincar, o queixo enterrado na gola alta do vestido de imperadora. Mas quase no fim do baile, na hora do Bandeira Branca, ele veio e a puxou pelo braço, e os dois foram para o meio do salão, abraçados. E, quando se despediram, ela o beijou na face, disse - Até o Carnaval que vem - e saiu correndo.
No baile do ano em que fizeram 13 anos, pela primeira vez as fantasias dos dois combinaram. Toureiro e bailarina espanhola. Formavam um casal! Beijaram-se muito, quando as mães não estavam olhando. Até na boca. Na hora da despedida, ele pediu:
- Me dá alguma coisa.
- O quê?
- Qualquer coisa.
- O leque.
O leque da bailarina. Ela diria para a mãe que o tinha perdido no salão.


***


No ano seguinte, ela não apareceu no baile. Ele ficou o tempo todo à procura, um havaiano desconsolado. Não sabia nem como perguntar por ela. Não conhecia a tal tia. Passara um ano inteiro pensando nela, às vezes tirando o leque do seu esconderijo para cheirá-lo, antegozando o momento de encontrá-la outra vez no baile. E ela não apareceu. Marcelão, o mau elemento da sua turma, tinha levado gim para misturar com o guaraná. Ele bebeu demais. Teve que ser carregado para casa. Acordou na sua cama sem lençol, que estava sendo lavado. O que acontecera?
- Você vomitou a alma - disse a mãe.
Era exatamente como se sentia. Como alguém que vomitara a alma e nunca a teria de volta. Nunca. Nem o leque tinha mais o cheiro dela.

Mas, no ano seguinte, ele foi ao baile dos adultos no clube - e lá estava ela! Quinze anos. Uma moça. Peitos, tudo. Uma fantasia indefinida.
- Sei lá. Bávara tropical - disse ela, rindo.
Estava diferente. Não era só o corpo. Menos tímida, o riso mais alto. Contou que faltara no ano anterior porque a avó morrera, logo no Carnaval.
- E aquela bailarina espanhola?
- Nem me fala. E o toureiro?
- Aposentado.
A fantasia dele era de nada. Camisa florida, bermuda, finalmente um brasileiro. Ela estava com um grupo. Primos, amigos dos primos. Todos vagamente bávaros. Quando ela o apresentou ao grupo, alguém disse -Píndaro?! - e todos caíram na risada. Ele viu que ela estava rindo também. Deu uma desculpa e afastou-se. Foi procurar o Marcelão. O Marcelão anunciara que levaria várias garrafas presas nas pernas, escondidas sob as calças da fantasia de sultão. O Marcelão tinha o que ele precisava para encher o buraco deixado pela alma. Quinze anos, pensou ele, e já estou perdendo todas as ilusões da vida, começando pelo Carnaval. Não devo chegar aos 30, pelo menos não inteiro. Passou todo o baile encostado numa coluna adornada, bebendo o guaraná clandestino do Marcelão, vendo ela passar abraçada com uma sucessão de primos e amigos de primos, principalmente um halterofilista, certamente burro, talvez até criminoso, que reduzira sua fantasia a um par de calças curtas de couro. Pensou em dizer alguma coisa, mas só o que lhe ocorreu dizer foi - pelo menos o meu tirolês era autêntico - e desistiu. Mas, quando a banda começou a tocar Bandeira Branca e ele se dirigiu para a saída, tonto e amargurado, sentiu que alguém o pegava pela mão, virou-se e era ela. Era ela, meu Deus, puxando-o para o salão. Ela enlaçando-o com os dois braços para dançarem assim, ela dizendo - não vale, você cresceu mais do que eu - e encostando a cabeça no seu ombro. Ela encostando a cabeça no seu ombro.


***


Encontraram-se de novo 15 anos depois. Aliás, neste Carnaval. Por acaso, num aeroporto. Ela desembarcando, a caminho do interior, para visitar a mãe. Ele embarcando para encontrar os filhos no Rio. Ela disse - quase não reconheci você sem fantasias -. Ele custou a reconhecê-la. Ela estava gorda, nunca a reconheceria, muito menos de bailarina espanhola. A última coisa que ele lhe dissera fora - preciso te dizer uma coisa -, e ela dissera - no Carnaval que vem, no Carnaval que vem - e no Carnaval seguinte ela não aparecera, ela nunca mais aparecera. Explicou que o pai tinha sido transferido para outro estado, sabe como é, Banco do Brasil, e como ela não tinha o endereço dele, como não sabia nem o sobrenome dele e, mesmo, não teria onde tomar nota na fantasia de falsa bávara -
- O que você ia me dizer, no outro Carnaval? - perguntou ela.
- Esqueci - mentiu ele.
Trocaram informações. Os dois casaram, mas ele já se separou. Os filhos dele moram no Rio, com a mãe. Ela, o marido e a filha moram em Curitiba, o marido também é do Banco do Brasil - E a todas essas ele pensando: digo ou não digo que aquele foi o momento mais feliz da minha vida, Bandeira Branca, a cabeça dela no meu ombro, e que todo o resto da minha vida será apenas o resto da minha vida? E ela pensando: como é mesmo o nome dele? Péricles. Será Péricles? Ele: digo ou não digo que não cheguei mesmo inteiro aos 30, e que ainda tenho o leque? Ela: Petrarco. Pôncio. Ptolomeu...

Insomnia Scriptum

Uma espécie de insônia resultante de uma espécie de cansaço que não se deixa vencer se for para ver você dormindo entregue. Como uma rima boba, como uma música já feita e um momento que por se repetir não perde o sabor de novo, o sabor do gesto, ainda que imóvel.

Todas as bobagens lidas ao longo do dia pairam um pouco na mente como uma saudade clichê e uma vontade de que possa ser um pouco mais outra coisa - e a tal não vocação ou falta de vontade se confunde. Depois de feito, depois de fato, não adianta lavar o hábito que já grudou no corpo - por menos santa que seja a lingerie por baixo.

domingo, fevereiro 05, 2012

Rascunho para uma Caroline: Pesquisar ou descobrir?

Eu tô cansada de tanta babaquice, tanta caretice... 
dessa eterna falta do que falar....

Para se ler ao som de Vida louca vida.

Para uma Caroline

O tempo passa a cada minuto. Meu cabelo não é mais o mesmo, a pele, os olhos, a extensão dos músculos - e a juventude é tanta ainda que nem parece. Olhando ninguém diz. Preces antigas aparecem num espelho estranho. Na sua idade eu já era assim e só tenho pra te dizer que mesmo depois que tudo mudar - e tudo vai mudar, e como vai com direito a exclamação seca - nada muda. As angústias, desesperos, vazios, loucuras não são diluíveis em álcool, fumaça, diplomas ou mesmo tintas de caneta. Não importa o quanto você pire ou encarete; não importa quantas vezes você vai se apaixonar ou quebrar a cara; não importa o quanto você pode ficar orgulhosa de si mesma ou o quanto pode se arrepender contemplando os próprios fracassos e olheiras no espelho. Não importa se você vai escolher certo ou errado, se nós já bem sabemos que apenas a tristeza consegue ser assim tão exata. No fim das contas é só a procura que vale. Não tem a ver com os cem caminhos versus os outros noventa e nove, a vida tem muito mais curvas, esquinas, estradas e, como você já deve ter percebido, ninguém dá nenhum mapa, tutorial, ma-nu-al.

Isso significa dizer que tudo o que eu queria te dizer é que vai sim, vai ser sempre assim - como dizem as músicas e os livros e os poetas: esse vazio ninguém preenche nem tem a obrigação de. A busca desencontrada é só sua, por isso, vá reunindo as poucas coisas e pessoas em que pode se agarrar.

Sorte é se abandonar e aceitar essa vaga ideia de paraíso que nos persegue, bonita e breve como borboletas que às vezes podem parecer e se transformar em anjos. Esse sangramento que ninguém estanca é o que vai te manter viva quando você achar que não é capaz de. O sangue é seu e ninguém pode ou sabe tocá-lo ou saber o que fazer com ele. Portanto, faça. E se descobrir me conte.