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segunda-feira, março 23, 2009

Pequena fábula metropolitana

Era como se, mesmo depois de tanto tempo, ainda estivesse esperando por algo. Um telefonema inesperado, uma visita, um encontro casual com um velho amigo. Na verdade, apenas algum acontecimento que mudasse a ordem das coisas, que pareciam sempre ocorrer conforme uma programação prévia e meticulosa. Pensava essas coisas enquanto olhava o cinza-mil-tons das ruas. As pessoas sem cor, cujo brilho se reduzia ao suor provocado por aquele calor infernal.

Duas da tarde, centro da cidade. Entre um esbarrão e outro, olhava os prédios altos se perguntando por que diabos eles não produziam uma sombra maior. Chegava a sonhar com uma vida em que pudesse trabalhar na praia, barulho de mar etc. Sem saber que se lá as pessoas não teriam esse brilho cinza, também não seriam mais interessantes - apesar de certamente mais coloridas.

Os excessos fervilhavam por todos os lados. O tal formigueiro que gostava de imaginar quando criança. O lugar onde a vida pulsava de tantos modos, como supunha na adolescência. Hoje, sem imaginar nada, caminhava apressada sob um sol escaldante, com muito mais roupas do que gostaria.

Se alguém a observasse todos os dias, poderia pensar que ela seguia uma espécie de rastro do dia anterior. Sempre o mesmo lado da calçada, dobrando as mesmas esquinas, no mesmo semi-círculo, parando para atravessar sempre nos mesmos pontos. Isto, se alguém a observasse, pois se nem mesmo ela o fazia. Se algum dia, num estalo, percebesse, ao invés de mudar o caminho correria para o terapeuta.

Podia também ser uma fábula de auto-ajuda, na qual ela perceberia que um grande acontecimento em sua vida só dependeria de si mesma. Caso fosse uma história adulta, sairia de seu escritório sem graça, conheceria três caras bonitões e teria uma noite maravilhosa. Na fábula infantil, teria um nome parecido com Kika e descobriria que a verdadeira felicidade são os amigos ou coisa parecida. Mas personagens de fábulas costumavam ser animais. Entreteu-se algum tempo pensando em que bicho seria, talvez uma lebre cinzenta.

Na sua literatura, o mundo foi ficando pelo meio do caminho. O relógio rodando como sempre faz. O final do dia chegou como sempre chega. Kika voltou como sempre volta, pelo mesmo caminho por onde veio.

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