Escrever é disputar com o tempo que eu poderia ler, aprender alguma coisa mais próxima de útil, ainda que no sentido metafórico. Escrever não é mais de graça, não é mais fluido. É um custo físico das horas de sono que eu poderia ter para um dia mais agradável amanhã. Tem o gosto de culpa, que a tanto custo eu tento pregar que não existe, simbolizado pelo texto que me observa meio por baixo do teclado enquanto eu pseudo-abstraio e escrevo.
E as palavras perderam, com o tempo, qualquer possibilidade de sinônimo. Alguma distância da literatura transformaram a escrita em algum pragmatismo. Os julgamentos pegaram uma frequência difícil de mudar, não é uma questão de rolar o botão mais para o lado.
A escrita perdeu a possibilidade de um assunto para além de si mesma. O que poderia ser classificado com os velhos termos de "bloqueio criativo" se tornou uma cíclica confissão: eu não sei escrever.
A boneca anda carregando livros, fazendo ares de trabalhadora-honesta-que-ainda-tem-tempo-e-responsabilidade-para-estudar. Mergulhou num vazio no sentido mais pobre do termo. Uma vaidade sórdida ameniza até a culpa pelo abandono do que era para nunca ser perdido. A boneca descobriu que talento não existe e que toda vontade tem de ser regada com muito esforço para valer a pena - ou o toque do teclado.
Valer o esforço sabendo que a escrita é a única arte em que a marca física do artista não tem a menor importância é um peso grande na balança. A argamassa nunca aparece, a dor nas costas não transparece na inconcretude do produto final. A solidão e o turvamento das vistas é quase imperceptível para além das frases confusas. Parece que não vale o toque no teclado se a vaidade vai sair sempre ferida.
Ninguém vai cair no meu conto de menina sofredora...