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terça-feira, dezembro 28, 2010

Estrada aberta

Mais uma dose que alguém põe no copo sem eu perceber. Mais uma série de coisas que se anotam em listas sequenciais sem que eu tenha meios de cumprir. Mais uma ampulheta que alguém gira sem pedir permissão, a vida roda e eu aqui sendo a mesma-com-o-prazer-de-ser-o-mesmo-mas-mudar. De casa, de caso, de coisa, de trabalho, de roupa, de afeto, de família, de trilha – universo em expansão.

A estrada, o mar, a porta, a vida, tá tudo aberto esperando o novo entrar sem pedir a licença que já foi dada ao que vier pro bem. Meio macumbeira, meio supersticiosa pelo encontro de consoantes que amo e pelas vontades de ter algo em que me agarrar (sempre!).

Um descampado grande e verde para além das janelas. O calor dissipa as nuvens, o verão chove todas elas e é quando o sol se abre mais limpo, forte, intenso para quem puder aguentar e dele se alimenta.

Novos cenários. Novos horizontes. Novas pontes que vamos construindo, tijolo a tijolo, pedaço a pedaço. Com a calma e a pressa certas para ver surgir e poi passos firmes, um de casa vez, mãos coladas.

Desmanchar cenários, construir fronteiras borradas, borrar os batons, desarrumar a cama e os cabelos, esvaziar o copo em pequenos goles cheios de vontade prudente de ser um só. Entendi que não podemos atropelar os ventos nem esperar que eles mudem de direção. A gente busca o meio termo entre se deixar levar e leva-lo um pouco com a gente.

E nunca antes (h)ouve tanto mar aberto.

domingo, dezembro 26, 2010

Deixei a cama desforrada para ver se ela guarda por mais algum tempo o teu cheiro. Deixei a vida um pouco mais desarrumada esperando que venha ao menos reclamar das vezes que não preservo os segredos. Deixei mais longe as coisas que queria perto. Deixei tocando no rádio a poesia que espero que vá me dizer no ouvido. Está tudo planejado para a hora que você chegar de surpresa.

Guardo uma certa distância da qual fico olhando no emaranhado dos lençóis o desenho do teu corpo. A memória desdobra em expectativa. A canção em sussurro.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Tudo diferente na noite que antecede o fim

Agora - tão pouco tempo depois - o mais esperado seria aquela angústia com o cheiro ainda presente, aquele vazio na pele fervida, aquelas músicas grudadas em algum lugar da cabeça. Mas agora, tão pouco tempo depois, é só essa sensação de que ficou faltando alguma coisa. De que o dia seguinte se confunde com a véspera. Como pode o desespero converter-se em vazio assim fácil e não trazer nem perto de junto a sensação de alívio, dever cumprido ou coisa que o valha.

As borboletas se foram da sua cabeça, nem mais um tipo de cor amontoando as ideias.

Agora essa vontade de que fosse menos, de que o antes tivesse sido muito menos intenso para ter deixado alguma esperança maior.

domingo, dezembro 12, 2010

Inacabado

Era para não ter sobrevivido, mas com o tempo a gente aprende que dá para superar até a falta de tempo. Em algumas situações desistir é o que equivale a fazer o melhor possível. O mantra mais besta, a gente faz os maiores problemas, mas tem hora que uma boa música e uma contagem mais longa dão o saldo positivo do mar vermelho - ele não se abre e eu continuo sem aprender a nadar.

Um passo de cada vez até o cadafalso. Ainda que fique para o próximo inverno, se acelerar muito posso não conseguir pisar no freio depois - e sem nenhuma vontade de aprender a dirigir, vai que cai uma chuva daquelas um dia desses... Quando o desespero vira uma constante, a gente aprende a viver com ele também. Mas não é como um dragão que a gente alimenta com a nossa magia, é um moinho. E se ele triturar os meus sonhos mais mesquinhos, hão de ficar outros com algum valor a mais.

Que bom que ainda é cedo, por mais tarde que seja. Que bom que existem muitas temporalidades e pode ser uma opção de vida, além de teórico-metodológica escolher com a qual trabalhar. Esquece o curto, antes que exploda.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Insome

Olhar cego na maior parte do tempo.
Boca fechada na menor face das horas
Náusea engastada no buraco
mais fundo do estômago
O âmago amargo
O disfarce da origem
Origami se desdobra
para quem sabe ver
além da forma

Ainda que com olhar cego
Com ego agourento
e cadências flutuantes.

Você lê
Eu escrevo
Ponto.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Insônia involuntária e cansaço

Era para estar pronto e não para ter esse peso todo ainda aqui nos meus olhos. Sobre as bolsas arroxeadas e semi-cerradas, uma repetição ritmada - tomara que não venha ninguém. É tão denso, tão revirado, que dá vontade que tivesse tudo pronto, talvez mesmo um manual, uma citação pronta pra resumir. Faz parte de ser uma pessoa complexa não se traduzir com qualquer frase de efeito. Talvez seja essa a hora de tomar vergonha na cara e arregaçar as mangas que já estão maduras no pé.

Não vai ter cenário pronto, não tem texto. Pode ser melhor ficar em silêncio, me olhar com aquela ternura de quem já partilhou um sofrimento. Não vai estar em modos de pesquisa instantâneos e modernosos. Não vai estar em páginas amareladas ou virtuais. Não está em nenhuma trilha sonora. Não tem a ver com brigas banais ou em vontades de levantar bandeiras e brigar com o mundo, virar morais de ponta cabeça. Não se trata de nenhuma genialidade.

É mais simples, original e doloroso. Trata-se de viver cada dia. Acordar todas as manhãs. Saber lidar com casa pequeno obstáculo sem titubear. Disfarçar as lágrimas e entender que o mundo é para gentes grandes e o único jeito aceitável é crescer. A dor da alma se alargando um mílimetro que seja é mais intensa que o cubo daquela dor nos ossos de anos atrás. Minha alma tem estrias esbranquiçadas do último ano que se fecha com muito mais pânicos do que tinha no início.

Os ciclos inventados fazem a minha cabeça girar de ressaca das coisas que eu não li em todo esse tempo que passou voando. Não tem mais muito formato. Os meus gigantes ventam muito e o fracasso eu não sei se sou capaz de suportar nos ombros.

Uma improdutividade transbordante. Todas as angústias gritando para virarem palavras e eu ainda me escondendo atrás de umas bobas citações - "Eu deveria cantar"*.









* ABREU, Caio Fernando. Onde Andará Dulce Veiga? Algum lugar, alguma editora, última ou primeira página, não sei dizer.

Trecho da peça SARAU DAS 9 ÀS 11 (Caio F.)


BABY — Quem se importa com o meu olho escancarado e cheio de
desencanto? Quem, entre todos vocês, estenderá a mão para passar no
meu cabelo? Quem cantará um acalanto para a minha insônia?

DEBORAH — Quero encontrar pelo caminho um cogumelo de zebu.

MADAME — Fiquei sabendo outro dia que minha madrinha, a
poetisa Florbela Ortigão, tem agora que cozinhar a sua própria comida.
Não, eu não suportaria presenciar uma coisa dessas. Nunca mais
retornarei a Taormina. Não quero ver as paredes brancas de suas
casas cobertas de inscrições em vermelho e negro: “Abaixo a tirania”,
“Morram os opressores”.

MONGE — O segundo anjo tocará a trombeta — e como um monte
de fogo lançar-se-á ao mar, e a terça parte do mar mudar-se-á em sangue,
e perecerá um terço das criaturas que vivem no mar, e um terço
dos navios irá a pique.

DEBORAH — E descansar os meus olhos no pasto, descarregar
esse mundo das costas.

BABY — Não espero nenhum olhar, não espero nenhum gesto, não
espero nenhuma cantiga de ninar. Por isso estou vivo. Pela minha absoluta
desesperança, meu coração bate ainda mais forte. Quando não se tem
mais nada a perder, só se tem a ganhar. Quando se pára de pedir, a gente
está pronto para começar a receber. O futuro é um abismo escuro, mas
pouco importa onde terminará a minha queda. De qualquer forma, um
dia seremos poeira. Quem é você? Quem sou eu? Sei apenas que navegamos
no mesmo barco furado, e nosso porto é desconhecido. Você tem seus
jeitos de tentar. Eu tenho os meus. Não acredito nos seus, talvez também
não acredite nos meus próprios. Não lhe peço que acredite em mim.

MADAME — Tivemos todos que fugir em debandada. Muitos, na
pressa, deixaram para trás uma avozinha cega, um irmão entrevado,
uma tia louca. Tivemos que vender nossos automóveis de luxo, nossos
iates e palacetes. Os industriais de Santa Lucia tiveram todos os seus
bens confiscados e as contas bancárias bloqueadas pelo governo rebelde.
Soube também que faliu a revista Grand-Monde, especializada na
crônica da vida mundana. E a famosa confeitaria Garcez & Bernard,
cuja mais famosa especialidade eram os docinhos conhecidos como
“ossinhos de Santa Catarina” — a confeitaria, dizia, teve as suas instalações
transformadas num depósito de armamentos.

MONGE — O terceiro anjo tocará a trombeta — e cairá do céu um
grande astro, luminoso como um archote, e virá tombar sobre a terça
parte dos rios e das fontes d’água. Chamar-se-á “absinto”, esse astro.
Converterá em absinto a terça parte das águas, e muitos homens morrerão
dessas águas, porque se tornarão amargas.

BABY — Quanto a mim, acredito nas plantas, nos animais. Acredito
nos astros, nas águas. Acredito no vento que sopra da banda do rio quando
o sol acaba de se pôr. Acredito na pedra bruta, na areia seca.

DEBORAH — Eu só quero fazer parte do backing vocal, e cantar o
tempo todo: shoobedoo-down-down, shoobedoo-down-down.

MADAME — Tudo mudou. Não me iludo. Tudo acabou.

MONGE — O quarto anjo tocará a trombeta.

MADAME — E o que foi não voltará mais a ser. Ainda hoje tive a
compreensão final.

MONGE — E será ferida a terça parte do Sol, a terça parte da Lua
e a terça parte das estrelas.

MADAME — Li no jornal que os imortais da Academia de Letras,
Ciências e Artes foram todos mortos.

MONGE — De maneira que se lhes escurecerá a terça parte do céu,
e deixará de resplandecer a terça parte do dia e da noite.
MADAME — Fuzilados.

quarta-feira, novembro 24, 2010

Teatro dos Vampiros

Sempre precisei
De um pouco de atenção
Acho que não sei quem sou
Só sei do que não gosto...

Nesses dias tão estranhos
Fica a poeira
Se escondendo pelos cantos
Esse é o nosso mundo
O que é demais
Nunca é o bastante
E a primeira vez
Sempre a última chance
Ninguém vê onde chegamos
Os assassinos estão livres
Nós não estamos...

Vamos sair!
Mas não temos mais dinheiro
Os meus amigos todos
Estão, procurando emprego...

Voltamos a viver
Como há dez anos atrás
E a cada hora que passa
Envelhecemos dez semanas...

Vamos lá, tudo bem!
Eu só quero me divertir
Esquecer dessa noite
Ter um lugar legal prá ir...

Já entregamos o alvo
E a artilharia
Comparamos nossas vidas
Esperamos que um dia
Nossas vidas
Possam se encontrar...

Quando me vi
Tendo de viver
Comigo apenas
E com o mundo
Você me veio
Como um sonho bom
E me assustei
Não sou perfeito...

Eu não esqueço
A riqueza que nós temos
Ninguém consegue perceber
E de pensar nisso tudo
Eu, homem feito
Tive medo
E não consegui dormir...

Vamos sair!
Mas não temos mais dinheiro
Os meus amigos todos
Estão, procurando emprego...

Voltamos a viver
Como a dez anos atrás
E a cada hora que passa
Envelhecemos dez semanas...

Vamos lá, tudo bem
Eu só quero me divertir
Esquecer dessa noite
Ter um lugar legal prá ir...

Já entregamos o alvo
E a artilharia
Comparamos nossas vidas
E mesmo assim
Não tenho pena de ninguém...

As dores meio físicas e o tempo meio roto. As palavras se perderam em algum acontecimento perdido. A boneca caiu do salto, manchou as roupas e acostumou-se a manter uma cerveja na mão enquanto assiste aos jogos de futebol. Sempre precisei de um pouco de atenção. Acho que eu não sei quem sou. Só sei do que não gosto. Nesses dias tão estranhos...

domingo, novembro 07, 2010

De quem não conseguiu de explicar para si mesma:


Eu ainda não chorei tudo o que eu tinha para chorar. Ainda não olhei fundo nos olhos tudo o que eu tinha para olhar. Não bati a porta com a força exata que eu queria e você não entende porque não sabe o quanto mágoa é uma dor que me consome. Não sabe o rancor que fica por trás das minhas frases banais.


E toda parte mal resolvida da gente (quer dizer, de mim, porque das outras pessoas eu não tenho como saber) fica assim, vai ficando por dentro, vão passando os dias, a gente vive como se não fosse nada, mas quando não tem ninguém olhando, é nisso que a gente pensa.


A raiva vai passar e o botão do viver-automático e com cara de tudo-bem vai ficar aceso de novo. Mas agora eu preciso chorar. Agora eu preciso fazer birra em vez do que precisa ser feito. Eu só queria não ser imbecil a ponto de piorar mais as coisas. Queria ser capaz de impedir que o problema de eu não conseguir fazer o que eu gostaria de fazer num determinado momento me impedisse de fazer o que eu gostaria de fazer nos outros momentos em que eu não estou impedida em vez de perder tempo ficando emburrada pelo momento anterior, entendeu?


Eu também não. Então deixa pra lá. Vou estudar que é o melhor que eu faço.

Contas incontáveis

É sempre quando deveria mil coisas. Não tem jeito, se não parar e colocar para fora, aquilo tudo vai explodir dentro de você. Todo esse veneno vai corroer sua entranhas de um jeito que não terá valido a pena de forma alguma. É assim quando a gente tem um problema com o tempo: não tem como parar tudo e resolver, mas enquanto a gente não pára e resolve, aquilo fica remoendo e a gente não consegue fazer nada. Aprendi hoje que escrever na pessoa média é tentar fingir que não se está sozinho. A primeira pessoa pode ser mortal.


Acontece que eu não estou sozinha mesmo quando um veneno que bebi já há dois dias ameaça a me corroer por dentro. Algo ameaça explodir e a gente vai vivendo. O problema de ir vivendo é que eu nunca soube fazer algo sem vontade. Para mim sempre foi aprender a gostar ou deixar de lado. Só que desaprender a gostar de algo de que dependo põe abaixo toda a fórmula – nem a do dedo na garganta tá dando conta.


Aliás, o problema é mesmo e sempre a conta. Aquela que vence amanhã e ainda não está paga. Aquela venceu há sei lá quantos dias e aquela que nem quero saber quando vai vencer. A corrente que ainda está aberta e não devia. A de variação zero um que andou emagrecendo. Mas a pior mesmo é aquela que se perdeu e já não se paga. O problema é que eu nunca tive vocação para ser a última a sair.


Dorme, amor, nos meus braços como se eu fosse o primeiro.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Ciclos de transição

Tá certo que na teoria eu estava estudando, mas fiquei bastante surpreendida quando me dei conta de que ontem fiquei um bom tempo conectada e nem por um momento me lembrei de que tenho um blog - aliás, vários... Soou como mais um baque no meu diagnóstico de abstinência literária, ou na minha alma ressecada.

As rugas que ainda são invisíveis aos olhos se deixam mostrar despudoradas nos meus silêncios gráficos. Digo isto porque em paralelo à minha incomunicabilidade escrita, percebi que tenho aprendido a conversar. (E sem terapia! clap clap). A opção constante pelo assunto cíclico textual é um indício de que estou aprendendo a falar o que sinto. Encontrei alguns caminhos no que antes eram trilhas apagadas no meio da floresta densa e escura.

A tal da maturidade abriu um clarão onde antes só haviam metáforas, as quais nem desapareceram por completo, como vocês podem ver. Há menos floreios e uma certa possibilidade de enxergar coisas antes embaçadas pela paisagem densa. Algum obstáculo que embotava a ação foi (cor)rompido e agora há em seu lugar o vislumbre, ainda que longínquo, de horizontes cujo descampado desperta essa vontade de decorar a alma que ficou um pouco ressequida pelo vento forte.
A ventania passou e é hora de aproveitar o terreno vazio. Além do que, como todos os anos acontece, as tardes de sol a pino já entram pela minha janela (essa sim diferente) e deixam um involuntário melhor-sorriso no meu rosto.


quinta-feira, outubro 28, 2010

Anti-revisionismo

Antes eu escrevia no modo automático, achava que era algum tipo de áurea que se apossava de mim a escrita. Pensava que se eu deixasse fluir, de forma quase mística, inconscientemente, o texto - ou mais pretenciosamente, a arte - viriam naturalmente. A história com h maiúsculo me ensinou que até a natureza é uma construção datada e escrever hoje é quase um peso (além de não prometer nada próximo de uma redenção).

Escrever é disputar com o tempo que eu poderia ler, aprender alguma coisa mais próxima de útil, ainda que no sentido metafórico. Escrever não é mais de graça, não é mais fluido. É um custo físico das horas de sono que eu poderia ter para um dia mais agradável amanhã. Tem o gosto de culpa, que a tanto custo eu tento pregar que não existe, simbolizado pelo texto que me observa meio por baixo do teclado enquanto eu pseudo-abstraio e escrevo.

E as palavras perderam, com o tempo, qualquer possibilidade de sinônimo. Alguma distância da literatura transformaram a escrita em algum pragmatismo. Os julgamentos pegaram uma frequência difícil de mudar, não é uma questão de rolar o botão mais para o lado.

A escrita perdeu a possibilidade de um assunto para além de si mesma. O que poderia ser classificado com os velhos termos de "bloqueio criativo" se tornou uma cíclica confissão: eu não sei escrever.

A boneca anda carregando livros, fazendo ares de trabalhadora-honesta-que-ainda-tem-tempo-e-responsabilidade-para-estudar. Mergulhou num vazio no sentido mais pobre do termo. Uma vaidade sórdida ameniza até a culpa pelo abandono do que era para nunca ser perdido. A boneca descobriu que talento não existe e que toda vontade tem de ser regada com muito esforço para valer a pena - ou o toque do teclado.

Valer o esforço sabendo que a escrita é a única arte em que a marca física do artista não tem a menor importância é um peso grande na balança. A argamassa nunca aparece, a dor nas costas não transparece na inconcretude do produto final. A solidão e o turvamento das vistas é quase imperceptível para além das frases confusas. Parece que não vale o toque no teclado se a vaidade vai sair sempre ferida.

Ninguém vai cair no meu conto de menina sofredora...

terça-feira, outubro 26, 2010

Paredes amarelas

No meu último dia de aula do ensino médio eu senti toda a desproteção do mundo que me esperava do lado de fora das paredes amarelas. A frase é muito forte, mas não é nada disso. Eu não consigo me lembrar detalhes do meu exato último dia de aula - e acho que isso não tem muita importância, já que me lembro bem de muitos dos dias percorridos nos meus sete anos de Colégio Pedro II.

Uma coisa que me lembro bem é que o significado de proteção que o colégio tinha para mim sempre esteve simbolizado nas paredes amarelas e seus furinhos estranhos por onde alguns alunos teimavam passar. As pessoas sempre me diziam em tom apavorante que o mundo aqui de fora era muito maior e que eu ía sair amputada. Eu, como boa discípula da metáfora da terceira perna, adorava essa pinta de adolescente desprotegida e disposta a enfrentar um mundo grandão fazendo aquela cara de filhote de gato.

Sobre o tamanho do mundo não tinha nenhuma mentira, mas não me disseram que a ausência das paredes era uma espécie saborosa de algo parecido com liberdade. Que do lado de fora a gente podia tomar café na hora do recreio, usar meias coloridas e colocar um boné na cabeça se desse vontade. O mundo é mesmo enorme e as possibilidades da vida muito mais infinitas que uma prova de vestibular - só fui perceber isso depois de quase terminar a faculdade e conhecer mais de perto esse mundo dos cursinhos.

As paredes amarelas? Bem, elas continuaram sendo um recanto adocicado da minha memória, um travesseiro quente onde se agarrar nas noites de solidão e desespero do futuro - quando não resta outra saída senão (opa!) olhar pro passado.

E foi buscando esse refúgio que acordei no dia da festa setembrina do colégio pensando única e exclusivamente que veria as minhas paredes amarelas. Qual não foi a minha surpresa quando me deparei com uma tinta verde-meleca-depressiva. A mesma falta de chão - ou de parede - de quando tive de passar por aqueles portões com ares de definição. Ainda devo ter em algum lugar o papel que me diz que, além de bacharel em ciências e letras, eu também não sou mais uma criança com direito a chorar por qualquer tropeço.

Isso ficou na minha cabeça por algum tempo, até a data recente em que cheguei na faculdade e me deparei com um amarelo indeciso sobre as paredes antes de um branco habitualmente incardido. Entrei em paradoxo e comecei a repensar todos os meus simbolismos e dependências e amarras visuais.

Sem nenhuma conclusão, fico com esse meu medinho-gigante de perder as amarras de novo e ganhar o tal atestado de adulto, mas isso é papo para o ano que vem...

terça-feira, outubro 12, 2010

Um tempo andando no escuro

Impossível ensolarar quando a primavera não chega. O tempo não cabe no meio das nuvens cinzas. Tem uma neblina densa, espessa. Quando ameaça um azul, ele vem gelado. O frio não dissipa. O cinza não se espalha. As flores não desabrocham. Não chegam as tardes de sol a pino e meu melhor sorriso continua guardado na gaveta.

Um felino enlouquecido às vezes abre a gaveta à força e arranca de lá sorrisos, suspiros contidos, gozos acumulados.

Os botões de rosa não se abrem. Há muitas ervas corroendo os jardins. Eram pequenas e parecia que não sobreviveriam ao frio. Agosto passou, setembro passou e a boa-nova não entrou nos campos. Eles estão secos, com aquela cor de palha incendiada. Pela janela só adentra o orvalho frio, o sereno gélido. Não há sequer luares para além das nuvens. Há mais nuvens. Depois das brancas as cinzas, cada vez maiores, cada vez mais espessas, cada vez mais escuras, cada vez mais chuvosas.

Eu olho pela janela, me perco através dos galhos ressequidos das árvores procurando o dia em que choverão todas. Que desaguem, eu peço. (E que ainda exista um sol por trás delas).


segunda-feira, outubro 04, 2010

Meta-

Eu e muitas outras pessoas ficamos impactados com o trailer de "Do começo ao fim" e apostamos todas as nossas fichas de todas as cores nesse filme. Não vou dizer que foi uma decepção, até porque já decidi que não vou guardar recortes de produtos para vender ou pifar.

A eleição passou e talvez a paz volte a reinar em nossos corações - o caos habitual vai continuar por aí e a tendência é sempre piorar.

Eu digo frases sem sentido, mas sempre tive a impressão de que se acertasse o tom pareceria inteligente. Eu nunca fui muito inteligente e é a primeira vez na vida que preciso esperar a máquina de lavar para poder dormir. Gosto de primeiras vezes. Sei que ainda há muitas por aí pela frente.

Verborragia é uma palavra que me atrai, mas o tempo vai passando e o cansaço da escrita não é mais só por causa da dor que causa colocar o dedo na ferida, tem um nódulo no ombro, a coluna vai curvando e até os dedos doem quando fazem esse barulho já não tão rápido mas ainda um pouco firme. Nunca enxergo o que escrevo. Nunca leio o que escrevo. Não gosto. Causa uma vaidade concomitante à necessidade latente de reescrever e eu sou péssima em reescrever. Sou péssima em repetir qualquer coisa: frase, gesto. Toda vez que vou contar uma história, na segunda vez já não sei medir o que estou inventando. Sou péssima para refazer.

Característica imperdoável para um ser humano.

Outro motivo pelo qual não posso reler as coisas que escrevo é que decoro. Sim, em paralelo ao total destalento para repetir, tenho uma espécie de tara por decorar os trechos. Recitaria textos inteiros agora, mas vocês pensariam que é control-vê porque não tem como saber.

Não faz sentido? Experimente decorar o texto que você acha mais bonito do mundo. Vai, chafurda, pode ser a citação mais profunda, inteligente, megalomaníaca. Escolheu? Agora decore e repita dez vezes todos os dias, module o tom e a voz de acordo com a necessidade.

Deixe passar vinte e um dias e me responda.

sábado, outubro 02, 2010

Capítulo Sete - Atrás da porta

Aguentou por algum tempo até perceber que dava na mesma. Acordar, fazer o café, lavar a louça do café, arrumar as camas, varrer o chão, passar pano, fazer o almoço, servir o almoço, lavar a louça do almoço, tirar o pó, lavar a roupa, estender a roupa, recolher a roupa, passar a roupa. Mas o pior de tudo era escutar os lamentos de uma esposa perfeita, com sua vida pequena de quem não tinha com o que ocupar o tempo já que tinha uma cunhada para fazer de escrava.

Um dia percebeu que sentia saudades de se vestir demoradamente para as noites de promiscuidade na pensão da Dona. Pegou as meias já meio desfiadas que guardara numa caixa, junto com aquela par de sapatos pretos, saltos finos e pontas já meio puídas. Um dia pegou aquele vestido florido, de tecido macio e que rodava ao redor do seu corpo quando andava. Lúcia lembrou como era sentir-se bonita. Alguém bateu na porta do seu quartinho nos fundos da cozinha. Era Joelmo pedindo que pegasse copos e uma garrafa de cachaça na venda, que a ocasião era para festa pois ele ia ter um filho.

Lúcia aproveitou que já estava vestida, deu uma resposta de consentimento e mais uma vez reuniu suas poucas coisas para mais uma empreitada sem rumo.


quarta-feira, setembro 22, 2010

Capítulo Seis - Revivências

Joelmo estava com uma expressão lívida que Lúcia não soube interpretar como felicidade. No fim das contas ele não viera trazer um grande sofrimento, apenas a notícia de que casara e que agora Lúcia podia morar com ele se quisesse. Seria bem-vinda e Maryara adoraria a presença dela, se viesse. Joelmo tinha um grande medo de que seu plano não desse certo e a presença de Lúcia era um tipo de segurança bastante peculiar naquele momento.

Lúcia não queria reviver os excessos de intimidade que experimentara com seu irmão, mas por outro lado, a companhia de Maryara lhe parecia um bom futuro a seguir. Dona Carmem lhe olhava mais feio a cada dia e não gostava nem confiava naqueles clientes tão cheios de pelos e manias. Uma casa onde se refugiar não pareceu má ideia.

Não conseguiu pensar se estaria atrapalhando a vida do recente casal. Enxergou uma maneira de se ver longe de suas habituais angústias. Não parecia possível um sofrimento maior. Foi. Joelmo sempre fora um bom irmão e lhe valia a esperança de ainda estar longe de tudo o que não queria ver - nem reviver.

terça-feira, setembro 21, 2010

Capítulo Cinco - Envelope lacrado

Depois de um tempo, Lúcia já não abria as cartas de seu irmão. Era suficiente para ela saber que as coisas e pessoas estavam no mesmo lugar, faziam as mesmas coisas, tinham os mesmos problemas. Uma espécie de conforto residia em ter sua solidão inteira para degustar junto com todos os seus problemas novos e insolúveis.

É claro que um grande bocado do motivo de ter acumulado aquele montante de envelopes lacrados tinha a ver com a recusa de possíveis novidades. Não suportaria nem mesmo saber que Dario pudesse ter um grande problema, não conseguiria aguentar uma compaixão por ele no estado em que se encontrava. Ademais, não tinha interesse nenhum em ler que se formava um rótulo de felicidade em volta dele e de Marliana, que planejavam um bebê para o próximo ano, que ela havia parado com as faxinas para se dedicar ao lar. Não precisava que essas coisas ficassem ainda mais reais e constantes em sua cabeça. Não lia nem telefonava. O irmão não tinha o número da pensão, não corria maiores riscos.

Ou assim imaginava até a noite de ventos gelados em que a Dona da pensão bateu na porta enquanto se maquiava para mais uma noite. A Dona disse que tinha um homem esperando lá embaixo, que não era hora ainda, onde ela pensava que estava. O coração de Lúcia bateu como se tivesse a mesma ingenuidade de antes e o corpo cansado desceu o mais rápido que pode sem atentar a nada no que dizia a velha senhora.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Capítulo Quatro

Lúcia não gostava das noites, não gostava quando uma certa penumbra a impedia de distinguir as pessoas, as cores, os lugares. Quando se vestia, escondida sob uma maquiagem pesada e colorida que não gostava nem de olhar no espelho, não tropeçava nem perdia o caminho de volta, mas ninguém imaginava a cegueira que tinha naquelas noites.

quinta-feira, setembro 16, 2010

Capítulo 3 - Três

Poderia ser uma letra de tango com palavras totalizantes, mas o que Lúcia vivia embalada por músicas da jovem guarda e nos momentos de maior sofrimento repetia os versos "pobre menina, não tem ninguém". Naquele quarto pequeno da pensão de Dona Carmem, gostaria de ter versos buarqueanos para embalar suas lágrimas noturnas, mas quando os homens cuja soma não fizera gozavam de pressa e saíam cheirando a gim, não tinha nem mesmo essas palavras para narrar o momento para si. O costumeiro inenarrável era para ela um constante desespero.

Recebia cartas constantemente, de seu irmão e de outros tantos admiradores que já não podiam visitá-la. Guardava todas numa mesma caixa e quando a solidão parecia maior do que o suportável acostumava-se a ler nas entrelinhas uma paixão que não havia, um amor que ninguém jamais sentira por ela.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Capítulo 2 - "Concreto e asfalto"

Carregando umas poucas coisas numa sacola e muitas outras no estômago e até no ventre. A primeira porta em que ousou bater foi a segunda cujo estampido do fechar não quis ouvir. Dario nem mesmo estava em casa e, sua mãe, sempre tão amável e simpática, ofereceu um dinheiro suficiente para que Lúcia não esperasse para assistir à cerimônia do casamento dali a dois meses e se livrasse de pelo menos um dos pesos que carregava dentro de si. Quando a notícia do ma-tri-mô-nio enfim concretizado chegou - através de uma carta de seu irmão -, Lúcia já tinha até um casa onde receber uma carta. Tinha também um travesseiro onde esconder o rosto para chorar todas as habituais últimas lágrimas de sua vida. Na carta, seu irmão dizia que a festa tinha sido bonita e quase toda a cidade estivera presente. Lúcia sentiu uma ausência enorme naquela cidade de presença inestimável em que agora vivia. Respirou fundo para conter as lágrimas, sentindo a fumaça e a poeira inebriarem as partes do seu dentro cada dia mais pesado.

terça-feira, setembro 14, 2010

Capítulo 1 - A menina má

Lúcia era uma menina doce até o dia em que ficou amarga. Saiu de casa aos quinze anos sem olhar para trás nem quando sua cabeça foi obrigada a voltar-se naquela direção com o impacto do tapa. Não chegou a saber se saiu expulsa ou em fuga. Dali em diante enfrentaria todos os clichês que uma Vida dura-e-amarga podia lhe oferecer. Ela estava pronta, sua pele jovem ansiava por todos os tipos de arrepio.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Minha sinopse de Malu

Eu acho que as pessoas que escrevem sinopses normalmente viram o filme sobre o qual escrevem. Infelizmente ainda não vi Malu de Bicicleta (estou esperando ansiosamente pelo Festival do Rio, pois soube que vai passar), mas como li o livro me sinto capacitada para participar da promoção:

Fugindo de suas peripécias amorosas, um típico garanhão paulista é literalmente atropelado por uma sedutora carioca. Malu atropela Luiz com sua bicicleta no calçadão das praias do Rio de Janeiro e o clima de romance se instala. Até aí, tudo perfeito para os dois se apaixonarem e viverem felizes para sempre. O problema é que Luiz começa a provar do próprio veneno sedutor - fica difícil se entregar a um amor quando se está tão acostumado aos jogos e truques da conquista. Luiz começa a desconfiar que Malu o está traindo e, imerso nas artimanhas que costumava usar, encontra facilmente vestígios que considera ‘provas’ da traição.

Confiram o trailer:

quarta-feira, setembro 01, 2010

Problemas numéricos

Problema número um: Isso aqui não é um blog. Não sei se é porque eu sou mesmo uma pseudo-intelectual que acha divertido problematizar e relativizar tudo, mas eu nem mesmo sei o que é um blog. O mais próximo de uma definição que eu tenho para blogs é uma espécie de diário público. Isso aqui nunca foi um diário. Não, eu não vou entrar no mérito de tentar descobrir o que é isso-aqui. Rótulos nunca adiantaram para explicar nada. Como já disse antes, o mais próximo que chego a dizer é que isso-aqui que é um repositório, que se diz despretencioso, de escrita. Ou mesmo uma boneca russa com faces múltiplas mas nem tão surpreendentes assim.

Pois bem, se isso não é um blog, não faz sentido nenhum falar do dia do blog, que ninguém sabe o que é, quem criou ou para quê serve. Mas poxa, mesmo com sei lá quantas camadas de cebola na explicação do que esse lugar imaterial representa, tá escrito ali em cima o domínio blogspot. Talvez escrever alguma coisa seja necessário para pelo menos agradecer a esse tal de blogger por me hospedar de graça por cinco anos.

Problema número dois: o blogday foi ontem, né? Então leiam fingindo que vocês não sabem que dia é hoje.

Problema número três: sem saber que dia hoje tudo perde totalmente o sentido, não é? Então deixa pra lá.

Fato é que o fato aconteceu (ó!) e não consegui não pensar no que me fez/faz ficar aqui falando pro além durante tanto tempo. Somos a primeira geração da internet democratizada e mesmo que não tenhamso muitos leitores, a possibilidade de escrever alguma coisa que está disponível para o mundo inteiro é fascinante.

Não sei se é possível registrar o espanto e continuar com a minha habitual pseudo-literariedade. Vai ver estou ficando menos literária mesmo. Será o tal do adultecimento? De repente a gente vê que perdeu ou está perdendo alguma coisa morna e ingênua que vai ficando no caminho - que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado pela beleza do que aconteceu há minutos atrás.

sábado, agosto 21, 2010

A primeira vez que fiquei sozinha em casa

Minha mãe sempre trabalhou muito e desde os meus quatro anos, minhas irmãs e eu ficávamos sozinhas em casa. É claro que não deve ter sido com quatro anos que fiquei completamente sozinha em casa, mas deve ter sido bem nova. Era uma coisa tão corriqueira que não consigo me lembrar quando foi a primeira vez. Pelo que me conheço, devo ter ficado com medo do escuro, mas sinceramente não lembro.
Uma coisa que lembro bem é que gostava de trancar a porta quando ficava sozinha. Me dava uma sensação de poder numa casa em que, por ser a caçula, eu era sempre a última opção de autoridade (eu nunca mandava em nada mesmo). Muitas vezes não fazia nada demais, mas sempre deixava a porta fechada para que quem chegasse fosse obrigado a tocar a campainha e dependesse da minha vontade abrir ou não. É claro que eu abria sem pestanejar muito pois as conseqüências podiam ser desastrosas – minha mãe nunca foi boazinha. Era quase totalmente imaginária a sensação de poder que eu sentia, mas eu gostava muito.
O poder de escolha. Escolher onde colocar os móveis, como ficaria arrumado o armário, a que horas a televisão seria desligada, essas pequenas coisas que se faz na própria casa, sabe? Eu nunca fiz nenhuma delas. Nunca me senti em casa na minha própria casa (que nem própria era, assim como não é agora). Dividir o quarto com duas irmãs mais velhas era um agravante significativo. Para o bem e para o mal, nunca tivemos fronteiras claras no guarda-roupa, no controle da televisão, no uso do computador – e, por essas e muitas outras coisas, eu sempre quis morar sozinha. Não exatamente assim, eu sempre quis um espaço meu.
Sempre quis ordenar os objetos do meu jeito, escutar a música que eu quisesse e, principalmente, não ter uma televisão ligada o dia inteiro! Já vão fazer cinco meses desde que tenho o meu quarto, os meus livros e roupas nos lugares que quero e PRINCIPALMENTE não tenho televisão.
Cinco meses depois e é a primeira vez que fico sozinha em casa e não invento um pretexto para sair. Eu até tinha inventado alguns, mas simplesmente decidi ficar em casa. Ia dizer que decidi enfrentar o meu medo, mas nem foi preciso. Acabei enfrentando o peso de ter uma vida que é minha porque minha casa me cativou. Apesar da pia de louça que me espera, minha casa é exatamente o que eu sempre quis – e isso vinha me assustando há alguns dias.
Estava com um medo enorme de admitir isso e lidar com o peso de um eu-sempre-quis. É sempre tão perigoso – ainda mais para alguém que muda tanto de idéia quanto eu. Fato é que percebi que não preciso ir ao cinema, não preciso estudar, nem mesmo arrumar a casa. Não preciso fingir para ninguém que estou fazendo alguma coisa de útil porque estou em casa – e posso fazer tudo isso depois.
Não preciso nem mesmo comer ou escrever minhas emoções travestidas em textos desconexos e extremamente emotivos como costumo fazer aqui. Hoje eu estou sozinha, sem conselhos e nenhuma vontade de pintar o cabelo. Só de continuar minha vida-que-eu-sempre-quis sem culpa, com minha música e minhas palavras. Eu, que sempre fugi dos pronomes possessivos, estou aqui com todos os que posso.
Quem chegar e quem já faz parte, é claro, é bem vindo, mas a porta está trancada sim, porque afinal estamos no Rio de Janeiro.

quinta-feira, agosto 19, 2010

Vênus em quadratura com saturno natal

Anéis perambulando entorno. Um polígono e minha falta de conhecimento crédulo. Não tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma.Uma fé estranha em coisas que não sou capaz de compreender.Um desgosto do tempo que passe e do verão que não chega. Vontade de outras paisagens e uma velha necessidade de sol e calor.

quarta-feira, agosto 11, 2010

Fenêtre

























Caminhar paralelamente sempre. Andar de um lado da rua sempre sabendo que você caminha ali do lado. Continuamos caminhando. Outro lado de um vidro, uma garrafa, uma vitrine, um outro lugar e uma nova forma de ver a mesma coisa.
Era uma necessidade de atravessar a rua, subir no prédio em frente, atravessar o corredor, morar no apartamento em frente, atravessar a cidade, olhar para frente e ver uma árvore. Descer para tomar uma cerveja e subir para ver o mundo do lado de fora da ilha. Rodar junto com a garrafa vazia que faz perguntas e nos faz pagar patos caros. Rodar junto com a roda, brilhar junto com o brilho bêbado das noites perdidas. Olhar de fora, de dentro de um banho quente e com passarinhos passeando entre beija-flores.

É um processo e não um dia para o outro. A gente começa a historicizar tudo, a teorizar tudo, a idealizar e ideologizar tudo. As tais continuidades. As coisas que não mudam de um dia pro outro e a gente volta no dia seguinte e está tudo diferente.

Saber que as coisas mudam, a gente sempre muda. A roda não pára de rodar nunca: viva e gigante. As voltas do meu coração nunca souberam dizer uma coisa tipo 'bá!'.

Eu olhei em silêncio e não chorei quando cheguei aqui do outro lado e vi que não estava lá. Os móveis ainda são os mesmos e estamos do mesmo lado. Estamos lado a lado, de mãos dadas. É a mesma rua, mas eu vejo flores brotando no canteiro e não quero pensar que as flores morrem logo na hora em que elas estão brotando.

A temporalidade está sempre bagunçada. Onde nós (?) vemos um passado, ele vê um amontoado de experiências pobres e indizíveis. Pode ser que hoje eu não volte, mas as minhas mãos continuam coladas às suas. Não importa quantas rodas vivas e gigantes rodem e nos deixem tontas. Eu já sei que nos equilibramos mutuamente, num silêncio indisputável, que é compreensão - a simples desnecessidade de explicar o que se sente.

segunda-feira, agosto 09, 2010

Tentando juntar tudo numa coisa só e gritar alguma coisa que acabe com o espaço que existe entre mim e o outro lado do vidro. É gelado e parece vitrine de shopping, mas ninguém fica me vendo passar e não há mais galerias, apenas corredores de filme de terror.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Reverência

Para ela, que estava excessivamente mais acostumada a engolir do que a vomitar, aquele momento não podia ter outro adjetivo que não o de difícil. Era muito difícil ajoelhar-se ali e pedir perdão a si mesma por tudo o que guardou dentro de si. Era um momento sagrado em que conversava com os deuses que habitavam seu corpo. Conversava com toda a fúria deles quando resolviam penalizá-la com a lembrança de que não era dona do corpo que habitava com ares de tão dona de si. Não era dona do espaço onde teimava pôr essas coisas todas que agora via sair.

Segurava os cabelos compridos fingindo completar o ritual da reverência - os deuses talvez não percebessem quanto o gesto tinha de tentativa máxima de distanciar-se de si mesma. Se pudesse arrancava as próprias mãos para evitar a náusea que sentia toda vez que se tocava. Uma espécie de culpa que se confunde com prazer. Os joelhos já doloridos de ficar ali debruçada esperando sua alma esvaziar-se. Era um esforço grande - e não só físico - reviver o gosto de cada coisa que engolira justo para evitar a convivência. Mas estava tudo ali, o tempo todo. Os fatos e formas e coisas e pessoas e momentos e sensações e sentidos e gritos e silêncios e malabarismos: todos estiveram indigestos no mesmo lugar esse tempo todo. Esperando a primeira oportunidade. Esperando transbordar, esperando explodir, esperando a hora inevitável (é só questão de tempo) de voltar à tona.

Tudo voltava sem uma sublime atmosfera de transe. De joelhos, o suor escorria pela testa, as coisas, pessoas e objetos caindo naquele recipiente branco e sagrado - todas paravam e encaravam-na com petulância. Diziam com todas as letras que nada tinha adiantado, que não adianta tentar esconder algo de si mesma dentro de si mesma. Não é justo guardar o que não é seu, ainda por cima num lugar que também não lhe pertence. Era um poço de injustiça e não se pertencia.

Aproveitava esses momentos em que o dentro (a alma?) se exteriorizava para mergulhar no mais íntimo de si. O mais sujo e íntimo. Essa parte que sabia fétida, viscosa, despedaçada. Essa parte que é também o mais precioso, o que pode ser talhado e moldado para virar alguma coisa que possa receber o nome de arte.

Mergulhava os dedos sentindo que aquilo era massa viva, era quente, pulsava ainda em sintonia com o seu coração. Ela, que sempre soube que o coração bate no estômago. Misturava a gosma entre os dedos, depositava toda a sua força, todas as suas crenças e descrenças. Era um espelho. Os pedaços aos poucos foram se tornando uma massa uniforme, as cores se fundindo numa só - dessas que não podem ter um nome.

Voltando o olhar para cima como quem diz 'amém', enxergou a parede branca como uma tela. Era isso. O objetivo fora sempre esse, desde o começo. Quando não sonhava, quando não sabia, quando não queria e só restava querer saber. É onde se completa. É onde está o sentido daquilo.

Amarrou os cabelos num nó e ergueu o corpo sentindo a dor do peso que ficara sobre os joelhos. Conseguiu perceber que já não estava lá - nem o peso nem ela mesma. Ela era a fusão entre a tinta, suas entranhas era apenas uma tinta!, e a parede.

quinta-feira, julho 22, 2010

Ainda membro

Alguma coisa, algum dia, teve que surgir do nada. Mas nada vai embora do nada. As tais das rupturas continuadas a que tanto nos apegamos. É um processo de mudanças e continuidades. Não adiantou dar todos os passos para frente de uma vez só. Correndo a gente cai e pode ter um abismo embaixo - que não se viu porque olhar só pra frente dá nisso.
Segurei antes de cair apenas. Abrir mão e admitir que não é possível romper consigo é quase heróico para quem precisa acreditar em heroísmo. Nunca acreditei em nada, mas nos últimos tempos tenho me agarrado a muitas coisas para não cair. Estava à beira do precipício mesmo e era a única coisa que enxergava como opção a fazer.
O problema é que quando a gente se segura por vários lados, é como se estivesse amarrado - e nem por isso deixa de estar sobre um tal abismo. Soltar uma das pontas foi quase como serrar a sangue frio a própria perna - a terceira, é claro, essa que a gente arranca, amputa, corta e sempre volta a nascer.
Eu já sabia que a gente nascia muitas vezes na vida. Mas assim em partes, assim tão esquartejada, assim brigando para não ter esse membro daninho, danoso ligado a mim. Cortei a tal da perna a sangue frio e sem anestesia. Enquanto via o sangue escorrendo e a carne se rasgando, esperei pacientemente a sensação de alívio chegar. Como quando a comida é pouca e você espera que sacie.
Respirei calmamente enquanto olhava. Era para ter outro rumo. Era para ser outra coisa, mas quando olhou o tornozelo amarrado por uma corrente escura, não era o da perna sangrenta e caída no chão. Estava presa por todos os lados. Era dessas pessoas que não tinham para onde fugir e por isso precisavam se esconder. Encarou a perna solta sem raiva, com uma certa resignação.

segunda-feira, julho 12, 2010

Tudo o que não é

Muita coisa se fechando dentro de uma caixa. Uma caixa pequena e escura demais para tudo o que quer guardar. Uma vontade louca de não acordar, de deixar cair no chão. De não levar para casa o que não é seu, mas também não jogar em cima de ninguém o que não quer carregar.


(O corpo diz tudo. Os gestos, o jeito de olhar e a forma como aperta os lábios mostrando um desespero que quer gritar. Ela, que é tão acostumada a falar com voz de veludo. A voz também arranha, se perde. Perde os gestos, perde a medida e perde o ponto certo de tocar. Está a procura de um ponto uno, quando tem uma alma inteira. Tocar uma alma é muito difícil. É preciso uma delicadeza maior do que a frieza que escolhe entre o fio azul e o vermelho. Em caso de dúvida, sempre o vermelho. Em caso de desespero, sempre o grito. Em caso de silêncio, sempre o silêncio. Não há nada mais denso, mais turvo e mais grande que o silêncio. O silêncio está aquém da compreensão e da distância. O silêncio cria uma distância que a gente nem percebe. Não são roupas, essas a gente despe. É algo mais fundo que a gente não percebe e faltam as palavras. Estamos procurando por fora o que é bem mais fundo.)


Ela olhou vagamente a caixa preta em suas mãos. As janelas estavam todas fechadas. Não entrava vento nenhum e seus cabelos grudavam no pescoço por causa do suor. Era inverno e não sabia ao certo o que faria com aquilo, mas certa estava de não querer abrir. O peso que sentia sobre seus joelhos era bem maior do que a massa real daquele objeto. E como podia fazer tanto calor naquele vagão? As pessoas em volta pareciam não perceber. Ninguém percebia a gravidade em que viajavam. Ninguém percebia a velocidade assustadora em que o trem corria. Não imaginavam que se soltasse aquele pequeno volume, nada sobraria. Não podiam imaginar que dela mesma já não sobrava nada fazia muito. Mordeu os lábios apreensiva e continuou sentada, esperando para ver até onde aquele trem a levaria.

quarta-feira, junho 30, 2010

Polissilábica

Uma sinestesia. Depois de mais vinte e nove dias que são trinta e um, uma sinestesia é que encontra as pessoas que não estão mesmo procurando nada. Sem procurar a gente encontra muita coisa no caminho. Se espanta, se assuta. Cai, tropeça, levanta, abraça, segura na mão da outra para se erguer. Sem procurar nada a gente ergue bem alto uma coisa muito grande. A gente procura e procura muito, procura o que já achou. Procura a cada dia não perder as rédeas, não perder o caminho, não perder as pedras bonitas que desenham as trilhas, procura não deixar que as migalhas marquem o caminho de volta. Não tem volta, tem vontade. Tem uma vontade imensa de ficar. Essa que nos fez construir esse refúgio tão perto do céu e das borboletas no meio da sala junto com o nosso retrato. É porque, mesmo que não soubéssemos antes, era um sonho junto. A mente aberta e o coração aquecido pelo conforto das paredes do penhasco. Aquela luz mansa metamorfoseou-se muitas vezes até virar esse nosso sol de noites de lua cheia que une olhares perdidos no infinito ao mar incansável. Nesse abraço se fez um ciclo que não tem fim - e é só mudar o jeito de ver. Criou raízes que se alastram e quebram o chão para se enroscar. A gente se transformou muito ao longo desse tempo - porque mudar é viver cada segundo - nos transformamos em luares, em ventanias, em arco-íris, em plurais, correntezas, em sóis a pino. Aprendi a vestir o meu melhor sorriso e ver o seu que faz tudo ficar bem e certo. No meio de tudo o que aprendi ainda não sei o jeito certo de tirar do seu olhar essa neblina, mas não importa quantas vezes tenhamos que mudar de mundo, minhas mãos vão estar coladas às suas - eu juro que não vou soltar.

Casa no Céu (Isabella Taviani)

Eu vou comprar uma casa no céu
E mandar mobiliar como gostamos tanto
Tudo tão branco
Borboletas por todos os lados
Visitando um jardim perfumado
E no meio da sala
O nosso retrato

Tudo que sonhamos juntos vamos conquistar
Basta ter a mente aberta
E um coração bem quente pra acreditar
Meu anjo lindo
Bem no alto da montanha
Eu vou plantar nosso lugar
Nosso eterno lar
Onde as raízes vão pra sempre se enroscar

Não precisamos de luxo e riqueza
Tenho você meu tesouro
Que beleza!
Só por você eu insisto
Lá teremos os nossos dois filhos
E se não for possível abriremos as portas
Pros bons e velhos amigos

quarta-feira, junho 23, 2010

A última folha de papel

"Escorreu pela escada, não foi? Só quero que você me responda essa pergunta simples. Só quero saber como foi que acabou, quando foi embora. Em que momento que uma coisa - se é que se pode chamar de coisa - foi substituída pela outra. Sim, porque tem de haver um momento. Um instante em que você viu o céu fechar e no meio de uma cegueira enorme aquela ilha que julgávamos ter descoberto foi inundada. O inverno se mostra no espelho e é como se me tivessem tirado uma parte que eu não sabia mas nunca foi minha. A singularidade de tudo isso é o que mais choca. Porque o costume me diz um plural que eu não vejo mais quando acordo ou quando deito esperando um sono que nunca chega. É preciso ter sonhos para dormir em paz."

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Não era nada daquilo. Rasgou o papel com uma raiva que era apenas do papel e de si mesmo, porque dela não conseguia sentir. Ou melhor, não conseguia era deixar de sentir tudo aquilo que até a véspera parecia ter significado e sentido. Agora tinha uma confusão de vazios, um papel com umas boas bobagens suicidas ou assassinas ou demasiado piegas, e uma caneta ameaçando falhar.
Pensou em muita auto-ajuda e em experiências passadas a que tinha sobrevivido. Pois é, não é que estava vivo para passar por aquilo tudo que já nem se imaginava capaz.

Depois de chorar como uma criança por duas noites e dois dias ininterruptos, tinha decidido usar um papel e caneta para tirar aqueles sentimentos disformes e sem nome de dentro de si.Nem que fosse uma escavadeira ou um bisturi, concluiu débil. O pior de sentir uma dor é saber que ela é só nossa.

Não tinha nada a fazer além de limpar com um pano incardido a tinta da caneta que acabava de estourar em suas mãos respingnado por todo o chão e manchando o papel sem endereço certo.

terça-feira, junho 22, 2010

Orgulho

Acordada sob um balde de água fria, ela não soube fazer nada diferente de buscar os esquecimentos de costume. A pele gelada de susto, os poros eriçados em alerta, os olhos ainda cambaleantes. Sacudiu o corpo todo num calafrio involuntário, tentativa de recobrar o ritmo. Piscou lentamente tentando entender o que lhe faziam.

Quis se encolher sob uma coberta já inexistente, aconchegar-se num colchão agora molhado e tão rápido! frio.

Ainda deitada, olhou para a madeira escura da porta imaginando o que estaria do outro lado. Não teve coragem de levantar e abrir.

segunda-feira, junho 21, 2010

É a impressão que ela dá

Me perguntaram outro dia - embora a pergunta não tenha sido diretamente para mim, tomei as dores - se eu mataria pelo que escrevo. A pergunta soa muito forte e fiquei sem saber o que a pessoa queria ouvir como resposta.

Eu nunca fui nada a ideologias nem nunca gostei muito de defender causas. Talvez nunca tenha encontrado uma grande o bastante que merecesse meu esforço todo. Fato é que no meio de todo o meu ceticismo, olhei para o meu caderninho (onde não escrevo lá grandes coisas) e percebi que eu queria que a resposta desejada fosse que sim, que eu mataria pelas minhas idéias.

Fiquei com uma séria indignação quando percebi que a conversa continuava no clima, o problema é matar pelas idéias. Não cheguei a entrar no mérito da violência ou do direito que uma pessoa possa ter ou não sobre a vida da outra.

Olhei para dentro com toda superficialidade que um momento público me permitia e não vi idéia nenhuma. O problema não era a minha gana assassina (que toda vez que eu vejo uma barata descubro que não tenho) o problema é a total falta de pelo quê lutar.

Nunca achei que as bandeiras que vejo por aí levantadas serviam para mim. O mais perto que já cheguei de levantar alguma, foi uma com um arco-íris bem bonito. Confesso que as cores pareceram me proteger com uma áurea brilhante e justificada, mas com o tempo estava eu bebendo do mesmo copo dos meus inimigos.

Não digo que me vi nua, pois essa seria uma situação confortável para mim. Me vi sem reflexo, sem ter o que pintar no rosto em tempo de festa. Sem ter o que defender.

Eu posso defender algumas pessoas, as que amo, principalmente. Mas as tais das idéias de que falam naquela cena inicial de V de Vingaça ficam faltando.

Quando o tal do professor (ops, denunciei...) perguntou se alguém ali mataria pelo que escreve, eu, com as poucas coisinhas que escrevo, tive vontade de dizer que sim. Mas no meu silêncio, cantarolei uma musiquinha pouco conhecida: "nem sempre faço o que é melhor pra mim, mas nunca faço o que eu não estou afim de fazer. Não viro vampiro, eu prefiro sangrar. Me obrigue a morrer, mas não me peça pra matar").

quarta-feira, junho 16, 2010

De bicicleta

Não é uma questão de sentimento. É orgânico. É um (des)equilíbrio químico. É a onda cíclica (?) que assombra em períodos eventuais e vem dizer que vontade não é uma questão de escolha. É a pulsão freudiana no sentido de que pode ser resolvida com pílulas mágicas - vai depender da dosagem o veneno-remédio.

Ela faz a revolução sem saber que sentido usa para a palavra. Muda tudo sem saber que volta para um mesmo lugar - a cada volta aperta mais. Um mesmo ponto e pela mesma razão. Alguns sabem que não é ela que determina a tal da humanidade, nenhuma outra coisa que não aquela habilidade de pegar um objeto com os dedos em oposição.

O que isso significa? Que talvez não dê mesmo para pegar nas mãos o tal do controle da própria vida. Não dá mesmo para achar que é só escrever o roteiro - é outra pessoa quem vai filmar, são outros os que vão cuidar da fotografia, da iluminação, da trilha sonora, da atuação e até mesmo da escalação do elenco.

Não é só o tempo a areia seca que escorre por entre os nosso magníficos polegares opositores.

Pequenas faltas de sentido e a gente vai para onde tiver espaço, para onde nos levam os meios de transporte.

Querendo viver sempre em alta velocidade só para ter o vento no rosto. O perigo é não saber medir os perigos na hora certa. A velha história da altura do tombo.


Mas para quem crê que não há caminhos, esse é o único caminho.

segunda-feira, junho 14, 2010

Um ciclo

Não adianta esperar que venha alguma coisa. Nunca acreditei em culpa, por que passaria tanto tempo esperando a redenção? Os dias passam, os anos passam e na falta de em que se apoiar, a gente vai conquistando pequenas crenças. Adquirindo alguma fé para manter a esperança. Criticando toda a velha moral cristã, não passamos de pobres perdidos esperando alguma salvação. Procuramos algum caminho mesmo com essa certeza aguda de que não há caminho nenhum, não há salvação nenhuma. Ítaca nunca existiu e cabe a nós escolhermos se queremos olhar pela janelinha ao longo do caminho. Houve tempo em que eu preferia o vento nos olhos. Falta disposição para engolir - e as coisas sempre ficam estacionadas no estômago. Falta uma disposição bem maior para peneirar a gosma. Fazer a escolha definitiva entre o querer e o não querer. Ter a coragem de enfiar o dedo na garganta. Escrever não dói. (Peneirar a gosma sim).

segunda-feira, junho 07, 2010

Cultivo do desenlouquecimento ou Cinco anos, muleque!

Há 21 anos estou tentando me sentir em casa no mundo e há cinco construí esse meu mundinho daqui - que já mudou de cor e de cara muitas vezes. Era um jeito de tentar pôr ordem em alguma coisa dentro de mim. Criar uma espécie de disciplina para escrever, mas nunca deu certo. A idéia inicial era conseguir transformar os meus desabafos em coisas compreensíveis para outras pessoas (a pretensão mais vã e ingênua de todas). Fato é que tenho conseguido descobrir aqui muito mais do que na terapia, por exemplo - não contem a ninguém, mas acho que não sobrevivi nem dois meses a ela, comecei a faltar às consultas e a simplesmente não atender aos telefonemas do tal do psicólogo (será que ele se achou fracassado por isso? será que ele insistiu tanto porque queria me internar?). Pois é, são cinco anos...
Sei que algumas pessoas devem ter a esperança de que este post seja, afinal, uma tomada de consciência: se nada funcionou em cinco anos, ela finalmente vai dizer que o blog vai sair do ar. Sinto decepcionar, mas não é o caso ainda. Olha, que ao longo desse tempo eu pensei muitas vezes em apagar, excluir do mapa esse lugar que nunca existiu. Mas nunca consegui. Essa boneca confusa que às vezes vos escreve se tornou uma parte imprescindível de mim. Já tentei matá-la muitas vezes, mas acho que isso seria cruel demais. Logo agora que aprendemos a conviver tão bem. Essas bonecas, que sempre se mostram mais e mais russas - acabam sendo o desdobramento das coisas que vou descobrindo sobre mim. É um livro aberto muito do particular esse aqui, e acho que faz parte do charme e das minhas loucuras não ter muitos leitores (será que ainda tenho algum?). Sempre escrevi muito mais para mim mesma do que para um leitor imaginário. Não quero me fingir de desvaidecida e dizer que criei um blog (quatro!) para ninguém ler. A escrita é uma arte que só se completa na leitura - é assim que sempre pensei: "a verdade das palavras está na alma de quem as lê". É claro que com o passar dos anos deixei de acreditar em verdade, mas descobri muitas coisas mais pelo caminho. E uma parte do caminho vai continuar sendo traçada e testemunhada aqui. Não sei a quem devo agradecer ou parabenizar por esses cinco anos, mas não podia deixar de fazer um registro (talvez ao blogspot que nunca me tirou do ar...).
As loucuras brotaram e deram alguns frutos bonitos até, as velhas e novas partes continuam coexistindo - assim como o convite para quem quiser entrar e opinar.

quinta-feira, maio 27, 2010

Memoração da existência

É sempre tão sintomático.
Explode pelo mesmo ponto,
espirra pelo mesmo poro.
Todas as coisas
às quais não se pode dar nome
corroem as paredes das vísceras,
formam um bolo estacionado.

É também sintomático,
as membranas se alargam
para um parto difícil.
Algo que se rompe,
uma lagarta que enfim se transforma.

Uma volta se completa
e transmuta de estação.

Os ciclos se rompem:
transformam-se
(em espirais novas e coloridas).

quinta-feira, maio 20, 2010

Reencontro

Andando apressada, como todos os dias, atrasada daquele jeito que já não se olha no relógio porque nem vale a pena. Era fim de tarde e o tempo esfriava aos poucos, a temperatura ia caindo a cada baforada de vento nos cabelos. Aquele mesmo viaduto, lembranças rápidas vieram de um outro tempo, um dia agora quase distante. Apertou o passo evitando olhar a paisagem. Inevitável. Olhos abertos e acelerados focaram na imagem assustadora: era ele.
A trilha sonora interrompida voltou à mente sem pedir nenhuma licença. Ele tinha o mesmo olhar penetrante, o mesmo ar despojado. Segurou o próprio corpo com a respiração que faltou. Olhou em volta, talvez viesse alguém, talvez alguém pudesse perceber o que se passava ali. As pessoas passando impassíveis responderam que não, que não viam, não percebiam, não queriam perceber. Uma solidão medonha apareceu ressignificada.
Nos instantes em que o corpo e a mente ficaram retidos naqueles olhos secos e sem nenhuma lembrança em que pudesse se reconhecer, suas sinapses congelaram naquela mesma música interrompida sem pudor. O mesmo medo voltou reciclado, ressignificado. Teve uma vontade incontrolável de ter coragem, de poder fazer alguma coisa, de gritar ou perguntar em tom seco como seus olhos se ele lembrava dela.
Bobagem. Ele nunca lembraria, era só mais uma. Uma manhã qualquer de verão, sem nenhum significado pa-ra e-le - essas duas palavras repetiam-se pausadamente com rancor.
Não conseguiu outra atitude que não tornar a mover os pés, retomar os passos e a pressa.
Só mais uma, só mais um. Um assalto, um assaltante, um momento banal.

terça-feira, maio 18, 2010

Trocando de roupa

Para ficar no mesmo lugar, coisa outra. Para parar e deixar a roda rodar troco outra vez de roupa e fico sempre aqui (sem ter bem pra onde ir, por medo ou preguiça). Acrescendo coisas e restando em casa, cada ciclo uma casa nova, novas cores dessas que fazem o mundo explodir e ficar a sensação de que não podia ter sido melhor.

Escrevo uns versos, depois dobro tudo num origami desconexo. Me guardo em algumas caixas e declamo rimas antigas ao vento. As mesmas paixões velhas, angústias serenas já quase amigas.

Era para ser sério ou ao menos um pouco coerente, mas devo ter nascido sem. É só deixar correr, deixar secar, deixar sair,


e continuar...

Adulteci.

É porque lua tem fase, é porque decorar versos tem cor e deslizes acontecem mais vezes do que nós gostaríamos. É porque retorna no meio do excesso e eu me vejo sozinha além de sabendo andar só. Passei do tempo de andar em bando. Ando em dois, ando em nós - os das cordas que nos prendem de vontade, os dos lençóis, os dos plurais.
As rodas param e a gente desce mesmo se ninguém deixar. Vejo você parada e sorrindo com um algodão doce nas mãos, ciente de que estão mesmo nas coisas mais pequenas as coisas grandes que a gente procura-encontra por acaso.

sábado, maio 15, 2010

Alguns luares depois


Passaram- se alguns luares... vários deles. Alguns a gente viu do alto da roda, mente torpe, coração comprimido para não bater rápido demais, a hora correndo atrás. Lá de cima a nuvem pesada parece maior, negra, intransponível, quase sólida, prometendo um temporal que vai levar tudo. Sem falar dos raios e trovões. Eles turbam o céu anunciando uma chuva que dá medo. A gente se espreme no banco gelado, encolhe os pés, aperta os dedos contra o chinelo velho e segura firme no ferro frio e morto. Preciso de um calçaco!

Morto. Parece tudo morto. Como se o dia já nascesse morto lá em cima. A gente faz tudo sem fazer nada. A cabeça dói, os olhos secos doem, o sono interrompido dói. Não é tempo de muitos sorrisos. O céu "abril-se" fechando o mês e levando alguém querido com ele. Como ele atravessou aquela nuvem tão espessa e fria? Ah... ele devia saber das Ítacas, devia estar tranquilo também sabendo que lá, depois do arco-íris invisível metastaseado por aquele cinza da nuvem deve estar um céu bem azul.

Os sustos foram grandes. Sabe quando o banco balança e parece que a gente vai despencar lá embaixo? Não sabe? Claro. Você nunca foi a um parque de diversões. Você devia ir, vai acabar descobrindo que mesmo quando o aparelho está chato e as pessoas fazendo cara de assustadas, ou de medo, a tortura acaba. O moço sempre vira a manivela e bah! Acaba tudo.

A gente não caiu, nem vai cair. Os sustos foram apenas pedagógicos. A roda parece parada enquanto a morte ronda, mas a gente muda o final do filme. A gente até esqueceu um pouco o que ficou logo atrás dos ombros. Aqueles sorrisos, a-que-les sor-ri-sos! Lembra? Silenciosos comovem, barulhentos fazem a barriga doer e bagunçam os lençois. Bagunça boa... lembra tempo.

É, daqui de cima, pensando bem, não dá para ver direito. As pessos sumiram e só se vê o que é concreto, os borrões do asfalto, as luzes do carro passando rádido. Dentro deles imagino pessoas falando ou pensando freneticamente em tudo o que têm para fazer até virar o mês. Mesmo quando a gente se esforça, se concentrando em abrir bem os olhos não dá pra ver. Não dá pra achar nada que valha a pena contar, descrever animadamente, esculpindo a imagem à palavras, expulsando o mau humor com uma divertida história. Não, não vale a pena insitir naquele tumulto... não se salva nada. Só fica essa angustia... no fundo é bom, não falo da roda, falo da angustia. Alguém me dizia: não deixa água parada aqui dentro. Tão poucopra quem queria dizer coisas grandes, meio patético até, mas bem verdadeiro.

Sobra dentro, a gente começa a se questionar sobre coisas tão banais... Às vezes essa brincadeira de passar o tempo procurando o que fazer, o que escrever, acaba desencadeando uma mania de achar problema onde não tem. Já dizia a mamãe. É... o tédio e a impaciência. A gente não percebe, mas isso vai se enraizando tanto na rotina que depois é pior que erva-daninha pra matar. Xô pra lá! Entra no mar porque a coisa tá feia. Toma um banho de sal grosso, bate na madeira.

Faz uma respiração bem funda, tenta ultrapassar os limites da epiderme da alma, superfície calma? Esqueço sempre as letras...

Enfim, voltam os luares na história. Passaram-se vários, 10, 11... 12! A roda deve ter dado algumas voltas, a gente é que se perdendo em absurdos, não conseguiu anotar nada para contar nas horas de trânsito lento. Eu nem levei caderno... mas você pode sempre escrever em mim. "Me continua..."

Mas tiveram coisas bonitas no caminho, né? Conseguimos quase decorar as faixas de um ou dois shows inteiros. Acabou a pilha, mas hoje tem mais. Carne e osso, à cores e ao vivo. Chega desse papo de morte. Hoje tem 'mais do mesmo', que sendo da gente, não é monótono, é doce. É quase sempre doce. (Preciso encontrar um jeito de riscar o quase). É nosso e transforma a gente em luar.

"Coisas que eu sei - pensou - se eu for eu vou assim não vou trocar de roupa".

Eu vou, mas eu volto. E chego já.

quinta-feira, maio 06, 2010

Sem dizer

Só a loucura. Apesar de e somando tudo, só a loucura. Sempre a um passo do desespero, sempre vestindo e encenando os dramalhões, sofrendo mais do que devo cada coisa. E não fazendo. Não fazer me toma um tempo, um esforço. Dá um trabalho negar tanta coisa e me manter imóvel no meio desse mundo que se movimenta tanto.
O peso de uma verdade, uma conversa - e alguém virá me dizer que não é o caso nem há motivo, já que a verdade não existe. Se preferirem, eu posso mesmo fingir que não existe e posso até dizer que assim será mais confortável.
Mas viver sempre me foi um desconforto tão grande. Porque é preciso viver dentro das engrenagens. A vida só é possivel em relação a outras pessoas. É um rede, ou uma cama de gato para quem preferir. Eu, que nunca soube desvencilhar com talento dos fios, fiquei enroscada de um jeito difícil de sair.
Invento desculpas, provoca uma briga e digo que não estou. Não tenho paciência para pagar a conta do analista.
As tais escolhas que é preciso fazer.
Eu que não peço mais força me pergunto se já tenho mesmo toda de que preciso.

segunda-feira, maio 03, 2010

Sonolento

A semana começa meio sem pedir licença. Os olhos abrem sem força nem vontade e encontram uns borrões opacos pelo caminho que não querem seguir. Aliás, caminhos não faltam, estradas escuras e desertas pelas quais a mulher-que-escreve-um-poema-no-banco-de-trás passa sem nada pensar. O grafite passeia por papéis imaginários que ela representa com a força e a superficialidade que talhou só para a ocasião. Os caminhos são tantos e o sentido - aff - nenhum. Os dias passam voando com o vento no rosto, vendo taxímetros e ponteiros marcarem velocidades que não se julga capaz de percorrer. O corpo se deixa ir pesado para lugares cada vez mais distantes e indecifráveis. O caminho para Aeda é só o caminho. Escovando a contrapelo esse relógio estranho que na verdade se tenta parar mas, quando toca o objeto, a mão submerge na penugem esquisita e predadora.
Aquele homem ainda está sentado à beira da praia sentindo os suspiros da morte lhe fazerem rodopios no estômago. Aquela velha mulher ainda briga com a fobia de dirigir e vê que os dias são círculos concêntricos de raio decrescente fechando-se ao redor de alguma parte do corpo que sempre dói a mesma dor aguda de todos os dias e não sabe precisar onde fica de tanto que parece funda. Um menino brinca de estourar bolhas de sabão sem saber da violência com que destrói os próprios sonhos. Uma adolescente catastrófica acende um cigarro e contempla a fumaça pelo prazer de ter as rédeas de sua própria morte - uma parte de si pensa no homem à beira da praia, já há tantos anos congelado no mesmo tormento.
Nenhum deles sobreviveu a nada ainda. Nem se julgam capazes por circunstância de não mais que meros reflexos de uma página encardida e sublinhada numa estante. A menina fecha os olhos e ainda dança com as garras de seu falcão presas ao bracinho frágil. São só espirais de angústias vagas e, de tão fundas, superficiais. Não quero ir muito longe, nunca quis ir rápido e também nunca saí do lugar. Não preciso chegar ao final para saber o quão perigoso é viver - nem a carência de abrir mão de minhas palavras grandes e neologismos infantis.
Tem uma doçura. Eu sei, embora não possa provar o paladar alheio, que existe uma doçura quase palpável nos sobrevoando. E sei todas as velhas histórias sobre o caminho, a estrada e a distração. Sei da urgência que se imprime na pele enegrecida pelo tempo, calor e esforço.

A senha da roda gigante

Fissura de quem segura muita coisa. Vertigem germinando num mundo que não pára de rodar. Tentando ir junto e fazendo cara de feliz enquanto a náusea da roda me toma. Decorei a palavrinha, mas toda vez que repito, há uma dor funda e estranha na garganta. Parece que até para entrar na roda e rodar (ah, eu não sei como se dança, eu não sei dançar) preciso abdicar dos cem. As coisas se montam sozinhas, sem que eu veja - e muito menos tenha algum controle. Tá lá. Tá tudo lá. Tudo pronto. Mas nem que eu tenha que desfazer tudo, jogar tudo no chão e refazer em cada pedaço o nosso mosaico colorido, não vou me deixar acreditar que a vida vai por si e a gente só vai vivendo. Minha teimosia em ter as tais rédeas na mão que nunca cavalgou me faz desmanchar tudo com a mão e refazer cada grãozinho.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Algo que pode ser uma despedida

Sem fé nem coragem, mas com alguma pressa, piscou os olhos como quem sabe o que faz e foi para o outro lado.
O lado de quem sabe o que faz. Chegando lá, sentou e esperou pacientemente o momento de saber, de agir e viver como se fosse a coisa mais natural - afinal, se nascemos, é o que resta. Ficou pensando nos restos de si que deixara pelo caminho e nada parecia muito natural.
Continuou sem saber se algum grande momento viria, se era dor do tamanho ou do peso aquilo que sentia; se os outros não sentiam nada ou sabiam era fingir muito bem.
Fechou os olhos como quem não tem fé nenhuma.