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quarta-feira, março 13, 2013

"Meias verdades sempre à meia luz"

Para ler ao som de Cegos do Castelo (Nando Reis).

Ninguém percebia os olhos dele por trás da beleza. Não era 'por trás' como quem domina ou cobra dívida ou se esconde. Geograficamente, poderia ser ao lado. Ninguém perceberia os olhos dele ao lado da beleza dela. Como cantiga de infância em que os pronomes trocam e se fundem, e os gêneros já não fazem sentido. Porque nunca fizeram. Eram os olhos dele de bicho vivo e com fome olhando para os olhos dela de bicho vivo e sorridente e também faminto e refletindo essa fome que contagiaria outras fomes tantas fazendo valer o poema das facas e queijos colado na porta da geladeira. Como um mantra. Ninguém percebeu.

Também não poderiam, pois ela os tinha escondido propositalmente, os olhos. Não por maldade ou medo, é só que nos últimos tempos aprendera a guardar segredos. Sem o peso do que não pode ser dito, sem tabus, apenas alguma dose de preservação e um respeito estranho por sua própria solidão. Alguma dose do que não precisa ou não pode ser colocado em palavras. Jamais reconheceria, mas os escondia também por ciúmes - esse sentimento estranho que faz a gente querer só para a gente tendo a certeza de que não pode e não tem e nem faz sentido ter, posto que ninguém tem direito, mas deixa eu sonhar e brincar de ser feliz fingindo que a vida não é feita de quartas-feiras.

Acontece, porque a vida é cheia de paralelos e muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, que as pessoas confundem vitrine com capa de jornal. Ignoram que mesmo esta é demasiado manipulada. A realidade não existe, afirmo sob a chuva de pedras que recebo junto à acusação de pós-moderna. A realidade é intocável, respondo sob o meu próprio sangue derramado junto com a minha culpa cristã - essa companheira inseparável - e para o silêncio do cenário de uma guerra recém finda.

Meu jardim floresce aos poucos e eu sei cuidar bem das minhas metáforas toscas, obrigada por perguntar. Acontece de flores brotarem ou de eu me emputecer e jogar sal.

Fato é que há cercas e eu vejo - e ninguém mais, já disse - trepadeiras que ultrapassam os limites previamente desenhados. Eu continuo desenhando, ora desdenho por pura incapacidade de resistir a trocadilhos infames, ora deixo a folhagem envolver os arames frágeis.

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