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quarta-feira, junho 27, 2012

A cada cigarro eu sinto na ponta dos dedos a sensação de que aquele antigo amanhã sem falta chegou. E depois disso, dias e mais dias foram se passando sem que eu percebesse o quão espessa era a camada de pó. Agora o 'vamos pra vida' requer de mim uma força que eu não tenho. A ideia de vida é uma coisa muito vaga pr'alguém tão pouco apegada a essa coisa de definições. Fazer os que vêm sem apenas soltar a fumaça e pensar nas coisas que estão se decompondo. Inventar a habilidade de compor coisas novas no meio dessa era estranha de uma reciclagem falsa

domingo, junho 24, 2012

Riso, preces e paixão

Chega a hora de mudar a trilha sonora. Reconstruir detalhes mais fortes que as cores do cabelo que nem podem ser tantas assim. Faz a casa com a tal solidão-liberdade. Buscar dentro de si os meios de retirar o pó, dar brilho, lustrar emoções novas-velhas-outras, descobrir que a gente se ilude em frases antigas nos dizendo que já não há mais quando ainda há tanto e de tantos jeitos e formas.

Quem se deixava vencer pelo cansaço da alma que minava o corpo agora desperta seu sono na exaustão que é só vontade de um algo a mais, uma foda a mais, uma noite a mais, uma vida a mais, porque eu sei que você tem muitas, que nós temos tantas e que ainda é cedo para decorar tantas frases. Ainda há muito o que escrever, muita coisa para arrumar, nem que seja para poder contar depois.

Deitar no velho travesseiro pensando em novas roupas de cama, novas peles, novas camas. Acordar no velho travesseiro ancorando em novas vidas, em novos planos e sonhos. Acordar no meio da noite, no meio da tarde, no meio do dia, no meio do desespero de saber que você não resolveu nem poderia nem ninguém poderia tirar do peito essa angústia, era muito exigir essa responsabilidade.

Na falta de uma ingenuidade essencialista, na falta de crença antiga de que é possível encontrar a gosma pronta. Eu tiro os dedos da garganta e vou é tateando outras coisas, texturas, peles, cheiros, gostos que deem prazer e façam sentir que no caminho a gente sempre vai encontrando uma ou outra coisa de mais ou menos valor.

No mundo sem canetas, ninguém mais perguntaria sobre valer a pena. Ninguém conhece ou pretende medir o tamanho das almas.

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A depender de mim
Os psicanalistas estão fritos
Eu mesmo é que resolvo os meus conflitos
Com aspirina, amor ou com cachaça
Os gritos todos virarão fumaça
A dor é coisa que dói e que passa
Curar feridas só o tempo há de
Toda regra para o bem da humanidade
É certo necessita de uma exceção

A depender de mim
Os publicitários viram bolhas
Eu sei como fazer minhas escolhas
E assumir os erros que lá vem
Se a alma finca pé os medos somem
Menino nunca deixe que te domem
Meu pai dizia o verdadeiro homem
Sabe o que quer ainda que não queira
Besteira é não seguir o coração

A depender de mim
Os padres e pastores serão tristes
Eu penso mesmo que deus não existe
E ainda assim quem sabe eu creia em deus
Se deus é o outro nome da verdade
Deste momento até a eternidade
Eu levo entre mentiras e trapaças
Besta felicidade frágil farsa
do que preciso riso, preces e paixão



quinta-feira, junho 21, 2012


Se você não suporta mais tanta realidade
Se tudo tanto faz, nada tem finalidade
Então pra quê viver comigo?
Eu não vou ficar pra ver nossa ponte incendiada
Nossa igreja destruída, nossa estrada rachada
Pela grande explosão que pode acontecer no nosso abrigo
Olhei pro amanhã e não gostei do que vi
Sonhos são como deuses
Quando não se acredita neles, deixam de existir
Lutei por sua alma, mas admito que perdi
E agora vou me perder nesse planeta conhecido
Intuir novos mistérios que ficaram escondidos
Naquelas palavras marcadas na sua carta de Adeus
Meu corpo vai sobreviver mesmo estando ferido
E até na hora de morrer eu não vou me dar por vencido
Porque sei que meus perdões vão estar bem ao lado dos teus


Espera aí!
Nem vem com essa história
Eu nem quero ouvir
Não dá pra te esquecer agora
Como assim?
'Cê disse que me amava tanto ontem
Eu juro que ouvi
Calma aí!
Que diabo você tá dizendo agora?
Que onda é essa de outro lance pra viver?
Você nem pode tá falando sério...
Vivi pra você
Morri pra você
Pois então vai!
A porta esteve aberta o tempo todo
Sai!
Quem tá lhe segurando?
Você sabe voar
Pois então vai!
A porta na verdade nem existe
Sai!
O que está esperando?
Você sabe voar
Então tá bom!
É, senta e conta logo tudo devagar
Não minta, não me faça, suportar
Você caindo nesse abismo enorme
Tão fora de mim
Tá legal!
É, e eu faço o quê com a nossa vida genial?
'Cê vai viver pra outra vida e eu fico aqui
Na vida que ficou em minha vida
Tão perto de mim
Tão longe de mim
(Pois então) vai!
A porta esteve aberta o tempo todo
Sai!
Quem tá lhe segurando?
Você sabe voar
(Pois então) vai!
A porta na verdade nem existe
Sai!
O que está esperando?
Você sabe voar
Uhuu, de volta pra mim
De volta pra mim...
O que fazer com nosso amor
Se já te devo tanto ?
O que fazer com nosso amor 
Você me deve mais 
Se nossas contas se perderam 
Pois já não se pagam 
Se nossas noites de amor 
Não acordam mais ninguém
O que fazer com nosso amor 
Se agora falamos pouco 
E o relógio da cozinha a nos contemplar 
A qualquer momento as paredes vão ruir 
E nada, nada vai sobrar inteiro por aqui 
Quem será o último a sair 
A porta está aberta, mas não consigo enxergar 
Eu sei que também queres partir 
O chão está tão perto, mas não consegues caminhar
O que fazer com nosso amor 
Se andas com minhas pernas 
O que fazer com nosso amor 
Se vejo com teus olhos 
Um mundo louco e tenso de paixão e medo 
Dorme, Amor, nos meus braços 
Como se eu fosse o primeiro

segunda-feira, junho 18, 2012

Afinal, quem saberia que seria preciso inventar um novo mundo pensando um esboço do tal sentir-se em casa e chegar ao topo da mais bonita montanha montada para saber que o conforto não é compatível com os tais sentimentos. O conforto é o estagna, o que deve existir apenas tempo suficiente para acender a vontade irritante e constante de mudar.


É preciso uma coragem enorme para fazer cada partezinha, cada pilar desse novo mundo. É preciso também humildade para saber que ele não é, como teria desejado Leibniz, o melhor dos mundos possíveis. Mas ele é um mundo. É preciso muito orgulho também, para se defender dos dedos acusadores que dirão "isso não é um mundo", "mas olha como é apenas um rascunho" ou "você não está vendo esses borrões? essas fissuras?". As pessoas dirão muitas coisas e pensarão que não é mundo por não saberem que outro é possível. É preciso tranquilidade e equilíbrio para também não achar que aos outros falta é inventar também o seu mundo. Há mundos que se cruzam. Há pessoas que vivem bem no delas e deixe que fiquem bem por lá.


Há que saber também que os tais pilares serão sempre frágeis, mas que, se usado com cuidado, o tal mundo pode ser usado por uma pessoa durante toda a sua vida - desde que ela saiba que nunca estará pronto e nem por isso desista da tarefa árdua e diária que será fazê-lo. Com perseverança, dizem, cabem dois inquilinos, mas aí, o caso fica mais delicado, pois além de saber do quão interminável é a tarefa, há que saber que cada um está fazendo o seu próprio mundo - apesar de a olhos nus de estranhos pareça tratar-se do mesmo. Há que saber a quantidade de cores que é possível colocar nas paredes e que quando a gente mistura duas diferentes dá uma terceira, que às vezes pode resultar bonito, noutras algo que nenhum dos dois pretendeu. Faz parte da brincadeira o esforço de tirar a tinta - ou pintar por cima, ao gosto do freguês - para fazer tudo de novo.


Para quem não esquece de colocar o ponto final, vale lembrar que é tudo novo de novo.
Aos poucos, eu vou aprendendo a molhar a rosa. Aos poucos, acerto as doses diárias de água. Percebo os dias em que ela prefere uma boa dose de uísque ou mesmo uma cervejinha gelada. Ela vai ganhando pétalas novas, vai abrindo a cada dia. Percebo que sou capaz de garantir que ela não morra. Sei adubar a terra, podar os espinhos mais traiçoeiros e deixar os que são necessários para que ela se defenda.

Aos poucos eu entendo que uma roseira não é uma margarida. Não é uma avenca. Vejo todos os dias que ela é apenas uma roseira. Vejo todos os dias que ela não quer ser nenhuma outra. Vou percebendo que sua finitude não é displicência, não é excesso de água, falta de uísque, de espaço, de terra. Percebo que ela precisa de mim para se alimentar e vejo em seus olhos a gratidão pelos meus cuidados assim tão insistentes, tão diários.

Todos os dias eu acordo cedo e não tardo a pegar o meu regador. Sinto um orgulho enorme de mim mesma ao ver, todas as manhãs, que ela está ali, vivíssima, ávida pelos líquidos que eu puder oferecer no seu tipo preferido de copo. Ela está lá, todas as manhãs. E se morre um pouco por dia é porque morrer de amor é a substância de que a vida é feita.

sexta-feira, junho 15, 2012


Quando partiste
sem mala ou bilhete
Quando negou-me
teu colo e teu perdão
Deixou no canteiro
do quintal desesperado
Uma rosa vermelha
cravada aqui no chão
Desse dia em diante
Para te deixar lembrada
De manhã bem cedinho
molho a rosa, molho a flor
Rosa que és tão linda
Rosa-flor imaculada
Rosa sejas tão linda
Como foi a minha amada

Desse dia em diante
Para te deixar lembrada
De manhã bem cedinho
molho a rosa, molho a flor
Rosa que és tão linda
Rosa-flor imaculada
Rosa sejas tão linda
como foi a minha amada

domingo, junho 03, 2012

Me perguntaram o que eu penso sobre a Marcha das Vadias... e eu me empolguei na resposta:




Acho que me converti ao feminismo pela linha teórica da História. Durante a faculdade eu tive a sorte de cursar uma eletiva sobre História das Mulheres que me chamou a atenção para os silêncios sobre o feminino na narrativa historiográfica. Me chamou a atenção por várias coisas para além dos textos, duas em especial: o fato de que ao todo só 4 pessoas se inscreveram para a disciplina e destas, só eu e mais uma a cursamos até o final (a outra pessoa, também mulher não por acaso, só precisava de mais uma matéria para se formar). A outra coisa que me chamou a atenção foram os comentários de colegas homens quando eu comentei sobre as aulas. Piadas como "O que vocês estudam? História dos eletrodomésticos?" e outras barbaridades das quais agora nem me lembro me deixaram enojada e com mais vontade de estudar o tema.

Depois de ter terminado a disciplina, comecei a acompanhar alguns blogs feministas que eu já conhecia de nome, mas que nunca tinha parado para ler. O Blogueiras Feministas e o Escreva Lola Escreva se transformaram em leituras obrigatórias para mim. 

Desculpe ir tão longe para responder algo que parece bem mais pontual, mas é que foi a partir dessas leituras que eu comecei a perceber que existe um mito ridículo de que o machismo não existe mais na nossa sociedade, que as mulheres já conquistaram tudo e que os homens coitados é que são as grandes vítimas hoje em dia. Um mito que está incrustado na cabeça da maioria das mulheres que eu conheço e que mascara a violência que todas nós sofremos todos os dias.

Acho que não corro o risco de generalização em excesso ao afirmar que toda mulher sofre violência misógina (ou seja, aquela que parte da premissa de que as mulheres são inferiores aos homens) todos os dias. Andar na rua, coisa que parece simples, mas não é porque o espaço da mulher na lógica machista é o espaço privado e controlado; é sempre um desafio enojador. Se você faz parte do padrão de beleza, você sofrerá com agressões de cunho sexual. Se você não faz, sofrerá com ofensas que te lembram que não cabe a mulher ser inteligente, trabalhar, pensar ou qualquer outra coisa - o que se espera é que seja bonita e reprodutora.

As tais cantadas na rua, quer fossem destinadas a mim ou a outras mulheres, sempre me incomodaram profundamente. E acho que aí que eu consigo entrar no tema da Marcha das Vadias. Nós não nos damos conta o tempo todo, mas estamos sempre sofrendo essas tais violências que são uma lembrança constante de que somos passíveis se estupro. O pensamento é simples e acho que percorre a cabeça de muitas mulheres, se você escuta uma frase asquerosa numa rua extremamente movimentada, o que aconteceria se a rua estivesse deserta?

Mudando um pouco a situação, podemos pensar em conversas entre amigos em mesas de bar. Surge um comentário sobre uma mulher que ficou com um cara e não transou com ele, foi embora de última hora ou algo assim. Qual é o comentário quase predominante? Que a mulher não pode "atiçar" o macho e depois ir embora, caso isso aconteça, é praticamente legítimo em nossa sociedade que o cara tem direito de forçar a barra e terminar o que começou. Porque? Porque vivemos numa lógica velada em que a mulher não é dona do próprio corpo.

É isso que me dizem as cantadas nas ruas e essas lógicas de acasalamento bizarras. Que as mulheres que andam nas ruas não são donas de si, elas são corpos que estão ali para serem observados e avaliados pelos homens e, caso sejam aprovados, é direito deles usufruir desses corpos.

A Marcha das Vadias, para mim, é um importante movimento de luta que denuncia e tenta modificar essa situação. É importante refletir sobre esse assunto tanto para mulheres que acham que precisam se vestir de uma determinada forma para se sentirem desejadas como para conquistar o direito das mulheres de se vestirem ou se despirem como bem quiserem sem serem violentadas por isso.

Infelizmente, eu não pude comparecer à Marcha no último dia 26 por estar trabalhando em outra cidade. Ainda assim, o que pude fazer para cumprir com meu dever de militante do feminismo e dos direitos sexuais foi explicar para os meus alunos o que era o movimento, como surgiu r para que serve. Não foi com espanto que ouvi de muitos deles o comentário "Marcha das Vadias, eu conheço várias que poderiam participar". O que para mim é uma evidência de tudo o isso que eu disse nos parágrafos acima.

Por fim, acho que vivemos uma época de neo-conservadorismo muito assustadora. A cidade do Rio de Janeiro me surpreende muito negativamente em relação a isso a cada eleição, a cada tema que ganha espaço para debate público. As pessoas constroem visões estereotipadas dos movimentos de luta com o claro objetivo de enfraquecê-lo e muitas pessoas compram fácil o discurso. Prova disso é que a Marcha não teve tantxs participantes como eu imaginei que teria. Mas ainda assim, acho que o resultado foi muito positivo na divulgação que teve, principalmente nas redes sociais. Qual não foi a minha alegria ao descobrir que a cidade de Campos dos Goytacazes também realizará uma Marcha no próximo mês, mesmo sem acompanhar a agenda mundial que originou as manifestações do sábado passado.

A Marcha das Vadias é um movimento que surgiu na internet e, felizmente, vem ganhando repercussão. Espalhemos e lutemos.






* A foto aí em cima é de uma grande amiga minha e foi feita na Marcha daqui do Rio de Janeiro.