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domingo, junho 03, 2012

Me perguntaram o que eu penso sobre a Marcha das Vadias... e eu me empolguei na resposta:




Acho que me converti ao feminismo pela linha teórica da História. Durante a faculdade eu tive a sorte de cursar uma eletiva sobre História das Mulheres que me chamou a atenção para os silêncios sobre o feminino na narrativa historiográfica. Me chamou a atenção por várias coisas para além dos textos, duas em especial: o fato de que ao todo só 4 pessoas se inscreveram para a disciplina e destas, só eu e mais uma a cursamos até o final (a outra pessoa, também mulher não por acaso, só precisava de mais uma matéria para se formar). A outra coisa que me chamou a atenção foram os comentários de colegas homens quando eu comentei sobre as aulas. Piadas como "O que vocês estudam? História dos eletrodomésticos?" e outras barbaridades das quais agora nem me lembro me deixaram enojada e com mais vontade de estudar o tema.

Depois de ter terminado a disciplina, comecei a acompanhar alguns blogs feministas que eu já conhecia de nome, mas que nunca tinha parado para ler. O Blogueiras Feministas e o Escreva Lola Escreva se transformaram em leituras obrigatórias para mim. 

Desculpe ir tão longe para responder algo que parece bem mais pontual, mas é que foi a partir dessas leituras que eu comecei a perceber que existe um mito ridículo de que o machismo não existe mais na nossa sociedade, que as mulheres já conquistaram tudo e que os homens coitados é que são as grandes vítimas hoje em dia. Um mito que está incrustado na cabeça da maioria das mulheres que eu conheço e que mascara a violência que todas nós sofremos todos os dias.

Acho que não corro o risco de generalização em excesso ao afirmar que toda mulher sofre violência misógina (ou seja, aquela que parte da premissa de que as mulheres são inferiores aos homens) todos os dias. Andar na rua, coisa que parece simples, mas não é porque o espaço da mulher na lógica machista é o espaço privado e controlado; é sempre um desafio enojador. Se você faz parte do padrão de beleza, você sofrerá com agressões de cunho sexual. Se você não faz, sofrerá com ofensas que te lembram que não cabe a mulher ser inteligente, trabalhar, pensar ou qualquer outra coisa - o que se espera é que seja bonita e reprodutora.

As tais cantadas na rua, quer fossem destinadas a mim ou a outras mulheres, sempre me incomodaram profundamente. E acho que aí que eu consigo entrar no tema da Marcha das Vadias. Nós não nos damos conta o tempo todo, mas estamos sempre sofrendo essas tais violências que são uma lembrança constante de que somos passíveis se estupro. O pensamento é simples e acho que percorre a cabeça de muitas mulheres, se você escuta uma frase asquerosa numa rua extremamente movimentada, o que aconteceria se a rua estivesse deserta?

Mudando um pouco a situação, podemos pensar em conversas entre amigos em mesas de bar. Surge um comentário sobre uma mulher que ficou com um cara e não transou com ele, foi embora de última hora ou algo assim. Qual é o comentário quase predominante? Que a mulher não pode "atiçar" o macho e depois ir embora, caso isso aconteça, é praticamente legítimo em nossa sociedade que o cara tem direito de forçar a barra e terminar o que começou. Porque? Porque vivemos numa lógica velada em que a mulher não é dona do próprio corpo.

É isso que me dizem as cantadas nas ruas e essas lógicas de acasalamento bizarras. Que as mulheres que andam nas ruas não são donas de si, elas são corpos que estão ali para serem observados e avaliados pelos homens e, caso sejam aprovados, é direito deles usufruir desses corpos.

A Marcha das Vadias, para mim, é um importante movimento de luta que denuncia e tenta modificar essa situação. É importante refletir sobre esse assunto tanto para mulheres que acham que precisam se vestir de uma determinada forma para se sentirem desejadas como para conquistar o direito das mulheres de se vestirem ou se despirem como bem quiserem sem serem violentadas por isso.

Infelizmente, eu não pude comparecer à Marcha no último dia 26 por estar trabalhando em outra cidade. Ainda assim, o que pude fazer para cumprir com meu dever de militante do feminismo e dos direitos sexuais foi explicar para os meus alunos o que era o movimento, como surgiu r para que serve. Não foi com espanto que ouvi de muitos deles o comentário "Marcha das Vadias, eu conheço várias que poderiam participar". O que para mim é uma evidência de tudo o isso que eu disse nos parágrafos acima.

Por fim, acho que vivemos uma época de neo-conservadorismo muito assustadora. A cidade do Rio de Janeiro me surpreende muito negativamente em relação a isso a cada eleição, a cada tema que ganha espaço para debate público. As pessoas constroem visões estereotipadas dos movimentos de luta com o claro objetivo de enfraquecê-lo e muitas pessoas compram fácil o discurso. Prova disso é que a Marcha não teve tantxs participantes como eu imaginei que teria. Mas ainda assim, acho que o resultado foi muito positivo na divulgação que teve, principalmente nas redes sociais. Qual não foi a minha alegria ao descobrir que a cidade de Campos dos Goytacazes também realizará uma Marcha no próximo mês, mesmo sem acompanhar a agenda mundial que originou as manifestações do sábado passado.

A Marcha das Vadias é um movimento que surgiu na internet e, felizmente, vem ganhando repercussão. Espalhemos e lutemos.






* A foto aí em cima é de uma grande amiga minha e foi feita na Marcha daqui do Rio de Janeiro.

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