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quinta-feira, setembro 29, 2011


Escrevo só e ando só. Já faz tanto tempo que desaprendi a linguagem dos outros, a linguagem que eles usam para se comunicar. Principalmente a corpórea. Aí eu fico esperando um algo que aconteça dentro ou fora de mim, uma epifania que me dê algum caminho, já que eu não engano ninguém e nem quero enganar. Me afastei de gentes. Não sei mais o cheiro ou a textura que as pessoas têm. Não sei o que vou fazer nem amanhã nem no próximo mês ou no próximo ano. O mar aberto tem ondas revoltas, batem geladas no rosto toda hora, deixam mareada, com vontade de voltar para a terra firme.

Voltar nunca é possível. As metáforas são frágeis. O momento presente é o pedaço frágil de patim cujas fraldas eu sempre esqueço de trocar, ou finjo que esqueço por falta de vontade. Queria uma rotina, uma prisão daquelas com cartão de ponto e tudo, contanto que acabasse bem na hora de ir embora, não fosse junto comigo para os momentos outros, não ficasse martelando o texto para revisar, a aula para terminar, a fonte para pesquisar, a greve para atrapalhar. Segurança e liberdade não podem ser simultâneas.

Todo mundo odeia televisão


Durante toda a minha adolescência-tentativa-de-pseudo-intelectualidade eu dizia que quando tivesse minha própria casa nunca mais assistiria à televisão, que eu odiava aquilo, que atrapalhava a minha vida, que a culpa dos meus problemas de concentração era daquele aparelho ligado o dia todo etc.

Bem, eu realmente posso contar nos dedos das mãos as vezes em que a tevê daqui de casa (que de própria não tem nada, aliás) foi ligada e não vou mudar a frase de que atrapalha a minha vida, mas não tenho como negar que todas as vezes em que vou visitar minha mãe eu assisto. Também não posso negar aquele argumento de que a mídia manipula as massas, nos diz quem devemos querer ser, quem somos, quem não somos e tal. Contudo, já faz algum tempo - graças a deus!? - que eu deixei de tomar explicações assim tão simplistas para as coisas e acredito que nada é tão homogêneo e perfeito assim.

Isso tudo só pode ser mesmo um preâmbulo para eu dizer que gosto de televisão (desde que apreciada com moderação e muito senso crítico). Não faz assim tanto tempo que eu saí da casa da minha mãe e parei de passar todo o tempo com a caixinha colorida sorrindo para mim, mas percebo hoje o quanto a minha memória e as minhas principais referências para várias coisas na vida estão relacionadas aos programas, às novelas e, principalmente, às propagandas. Perco a conta de quantos textos publicitários me vêm à mente em momentos variados do quotidiano.

Entretanto, eu estou aqui para falar bem desse instrumento adestrador de criancinhas, não é mesmo? Então, nessas minhas visitas vespertinas à casa da mamãe não raro o horário coincide com um seriado que eu adoro: Todo mundo odeia o Chris.

Sempre que eu vejo os percalços da vida do adolescente num perigoso e estereotipado bairro de periferia e numa escola onde é o único aluno negro, eu me lembro de um outro seriado que acompanhou a minha infância, pré-adolescência e adolescência (sim, nós sabemos que 1. esses seriados costumam ter muitas temporadas; 2. O sbt nunca teve pudores para repetir mil vezes a programação; 3. Nós também nunca ligamos de assistir ao mesmo episódio 50 vezes, até decorar todas as falas): Um maluco no pedaço.


Não precisa de grandes explicações para traçar paralelos entre os dois seriados, não é? Contudo, o recente sucesso do Chris entre os meus alunos - e a variedade de exemplos que consigo retirar dos episódios para abordar em sala temas como racismo, segregação racial, desigualdade e preconceitos em geral - me fez pensar na importância que esses seriados têm na construção da identidade de muitos jovens. E isso se dá pelo mecanismo simples da identificação, nos mesmos mecanismos da mídia - está lá um personagem (nesse sentido, mais o Chris, porque afinal o Will estuda numa escola particular caríssima em Bel Air) que é um garoto pobre, negro, estigmatizado e, diferente do que pretende a professora da escola, normal.

Além disso, o seriado aborda outras questões corriqueiras como a exploração do trabalho infantil, o subemprego, o bullying, este tão na moda, etc. Sem falar no divertimento que é assistir a tudo isso naquela dublagem super bem feita. Não vou fazer a propaganda completa (sim, o que eu estava fazendo era só um comentário crítico, entendeu? Eu não sou uma criança deslumbrada com a televisão, ouviu?) porque além de não gostar muito da emissora que transmite a série, não faço ideia dos dias e horários em que é transmitida, vou sempre na sorte.

terça-feira, setembro 13, 2011

De onde se conclui que nada vai dar certo. De onde se conclui que não há conclusão. De onde se conclui que não adianta ser uma das poucas pessoas do mundo que sabe a transitividade do verbo implicar ou o uso correto da crase. Não faz a menor diferença na página em branco. Eu quero trocar de mim. Eu sempre quis trocar de mim mas ninguém deixou. Eu não quero ir a lugar nenhum. Eu queria um pouco de apoio, mas as coisas sempre me parecem incongruentes e no fim das contas eu sempre sou a menina mimada. Isso não me ajuda em nada. Dizer isso não me ajuda em nada, continua a sensação de que ninguém se importa e nada faz sentido. Porque nada faz sentido e eu não faço nada a não ser construir essa minha escrita de si de desempregada e perdida na vida. Eu não tenho nenhum objetivo em estar viva e não tenho uma dose salvadora de digitalina nem uma janela convidativa. Eu não tenho coragem para nada. E continuo na minha eterna solidão. Não consigo manter um pensamento racional por tempo suficiente que me permita fazer algo. Eu não sei inglês, não sei ser submetida à análise, não quero dar o dinheiro que eu não tenho a psicólogos com cara de babaca. Vou enlouquecer sozinha, pobre e desempregada. Morrer de falta de amor e falta de motivação forte o bastante para renunciar à vida.
Eu tenho um plano. E se sair daqui agora e me arrebentar toda, tudo bem também, porque na verdade eu não vou mesmo a lugar nenhum. É que eu tô sozinho há tanto tempo que eu esqueci o que é mentira e o que é verdade em volta de mim - e o papel e o papel pra acabar.
Eu, tão farsa. Tão arquivos emprestados, entrecortados-que-nem-sei-se-têm-hífen. Eu, tão à flor da pele. Tão crise existencial. Tão sem destino, futuro, segurança, caminho, perspectiva. Eu, tão vaga, tão porra-nenhuma, poço de insegurança, página em branco, futuro incerto, horas perdidas no nada. Eu-improdutividade, concordância falha, farpas distribuídas, música repetida, ameaça viva. Eu, auto-destrutiva pela falta de fé. Falta de referências e sem nem mesmo as origens trágicas da erudição. Eu sem-destino. Eu desvio, mas sem conjugar o verbo e sabendo que não dá pra saber pelo que eu digo. Eu que nem escrevo nada, nem digo nada, sem sou capaz de enganar a mim mesma para empreender um esforço intelectual. Eu, que não nasci para ter essa palavra junto. Eu, que invejo a experiência limite, tiro onda com meu francês torto. Ensaio frases que não se concretizam. Orações longas sem nenhum período, simples ou composto. Eu, composta de meia-dúzia de argumentos diletantes. Eu, que nem sei usar essas palavras pernósticas, que nem tenho essas leituras, essa coragem, essa cara de pau. Eu, que nunca colocaria a cara a tapa, nem compraria o veneno, nem a briga, nem publicaria nos mais vendidos ou no jornal o que quer que fosse de grave. Eu não me esconderia atrás de ninguém e tampouco me exporia. Eu, com meu egocentrismo torpe que já não me aguenta já faz tanto tempo, e não tem paciência pra reinventar, inventar, fazer, simplesmente. O problema simples do sim na palavra. O elogio do sofrimento. Eu não sei me defender e fico fazendo cara de menina mimada, que arruma o cabelo e o vestido só para alguém dizer que está bem arrumado. Eu nem arrumei e também ninguém disse. Eu sei que ninguém vai dizer e o silêncio da solidão e da falta de tudo é só um desespero sem fim. Eu desaprendi a linguagem que os outros usam para se comunicar - se é que um dia eu soube. Eu perdi aquela coisa que alguém me deu para guardar e pediu que não perdesse de jeito maneira. Eu perdi a vocação para muitas coisas. Me perdi e não quero procurar num consultório de analista - e também sei que não tem mais onde chafurdar sozinha e não adianta esperar milagre e não adianta nada a não ser tentar. Coisa mais auto-destrutiva porque sem fé nenhuma. Nem tez azeitonada, nem niño pez. Os bons filmes e bons livros passam e deixam a sensação de impotência diante das coisas, da vida. Nada é tão grande quanto as minhas palavras - e eu nem nunca tive domínio de cena para um suicídio. Eu crio intrigas para me sentir viva. Preciso brigar e espernear diante do irrefreável da morte. Preciso sentir o que eu não posso viver. A experiência limite. A paixão injustificada que eu preciso justificar nos termos mais academicistas que conseguir. Mas não consigo mais cortar e colar frases velhas. Queria algo novo, algo vivo, algo intenso. Que fizesse e desse sentido. Que ardesse como faca cortando, como o desespero de se saber da morte. Eu não sei nada, eu não tenho nada, eu não escrevo nada.

segunda-feira, setembro 12, 2011

E se uma nova paixão surgir no último minuto? E se a angústia for maior do que se pensava? E se a coragem, a cara à tapa, o senso de realidade, o enfrentamento, a construção, e se tudo for ainda maior, mais denso, mais mergulhável do que se pensou? (Sujeito indeterminado: minha mente estreita, egocêntrica, limitada e com menos leituras do que poderia).

A gente sempre sabe que a vida é maior, que o horizonte de possibilidades é mesmo um horizonte inatingível. Mas continua buscando e descobrindo novas tonalidades de poente no meio da estrada.

Eu quero tentar.
Sonhei que a vida era um sanduíche que eu engolia com náusea.
Precisando rever minhas metáforas ou tomar um remédio pro estômago?

quinta-feira, setembro 08, 2011

Ninguém escreve aquilo de que se lembra. Talvez o que não sai da cabeça. Porta-esquecimento. Expurgação. Escrevo para não escrever. Preciso de objetividade. Simples-fazer. Simples-fazendo. Simples.

Trilha sonora

Um apelido que se desdobra em doença porque tinha de ser, porque as teorias se desdobram em coisas mais. Encontrar caminhos, procurar caminhos, perder caminhos, caminhar. Gradativamente. Cada passo. Repetitivamente. Falta gente, uma boa música e uma cerveja gelada no fim do dia. Quando não tem começo não termina e quando termina antes de começar todos os dias só porque tem trilha pronta. Sonora, porque as solas dos sapatos estão novas e tilintantes esperando que alguém lhe diga aonde ir.

Sim, porque saber apenas a transitividade do verbo nunca serviu de nada a ninguém. Espera sentada, olhando os pés que não tocam o chão no auge de seus cinco anos de idade. Sacudindo-os de expectativa, como quem sabe que vai receber um elogio. Sempre esperando uma veneração que lhe dê sentido. Um sorriso de aprovação, uma estrela no caderno.

O silêncio e a espera lhe sorriem de volta, mas um sorriso irônico dizendo que não há o que esperar, que caminho a gente trilha com os próprios pés. Observa-os inquietos e incapazes. Conclui que precisa de um novo par de sapatos que estes não estão condizentes com a situação. Desce da cadeira com esforço - é mesmo alta - enquanto grita com os pulmões cheios para alcançar a cozinha:

- Manhêê! Me compra um novo par de sapatos?

Antes que a resposta venha, substitui a expectativa por uma aflição fingida sobre a cor dos ditos.