Para ler ao som de Não há cabeça.
"Essa tristeza que o amor me deu
É a coisa mais bonita dentro do meu eu".
(Marina Lima)
Em primeiro lugar, pega-se entre as mãos a massa disforme.
Bloco sólido, neutro. Quase sem querer a gente esbarra e vê que é possível
tocá-lo. Depois que encosta as pontas dos dedos, vê que sai uma eletricidade
estranha. Há um tipo desconhecido de ímã que parece pedir que as linhas das
mãos percorram toda a sua superfície.
De início ela é impenetrável. Há que lubrificar as mãos e
umidificar aos pouquinhos a massa até que ela possa ser moldada, penetrada,
modificada – até que vire alguma coisa. Mesmo que a gente não tenha sabido dar
um nome, que não tenhamos conseguido transformar numa obra de arte, numa estátua,
num enfeite de estante, num bibelô, nem nada disso, dava para ver que do
misturar de mãos e massa, do magnetismo, da vontade de transformar dedos e
corpos numa única explosão de gozo constante; dava pra ver que de tudo isso se
poderia ter feito alguma coisa.
A gente fez a poesia palpável que se mostra em constelações
da pele, no tom rosado sob a luz de fim de tarde. A gente até fingiu que tinha
mais do que pele, misturou álcool no momento de moldar a massa; a gente colocou
algumas cores de outros cenários; a gente tocou partes fundas, desejos
irreveláveis, frustrações comuns. A gente viveu versos.
Numa segunda-feira qualquer veio um vento e quebrou a
estátua de gesso.
Que nem era gesso, que nem tinha nome, mas que era algo mais
maleável como faixas de gaze – espuma branca lavando os pés – que a gente
enrola igual a um quase amor de promessas telefônicas. Todo quase amor tem um
calcanhar de Aquiles que pode se quebrar de uma hora pra outra mesmo que não
seja quebrável. Deixa meia dúzia de versos na cabeça. Ficam cheiros, gostos,
gozo, a mesma incompreensão da pele na pele e aquela sensação de que um dia
desses, num desses encontros casuais talvez a gente se encontre, talvez a gente
encontre explicação.