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quinta-feira, setembro 06, 2012

Uma crônica paulistana

Para ler ao som de Concreto & Asfalto (Engenheiros do Hawaii).

É possível ir da Luz para a Liberdade desde que se saiba seguir as cores certas, contornar as linhas certas. Dá até para encontrar Consolação nos já conhecidos fundos de copo de cerveja ou fundo de garrafa verde-garrafa entre saltos, silicone, cílios postiços e neons convidativos da Rua Augusta.

São Paulo é cidade de que muito se ouve - e eu, do alto do meu habitual provincianismo de metrópole, nunca parei para prestar atenção. Paulista, Augusta, Anhangabaú, Bexiga, Ipiranga, Butantã, Vila Madalena, Pacaembu, Jabaquara, as pessoas diziam esses nomes engraçados, com seus fonemas tão bonitos - e eu cantarolava baixinho, às vezes sem nem mesmo emitir som, o binômio insosso "concreto e asfalto".

A minha ingenuidade arrogante teimava em confundir o bom e o belo, achando que este último só se podia encontrar nas 'belezas' construídas e naturalizadas das terras cariocas. Querendo ou não, no fim das contas a gente sempre carrega um montão de preconceitos e o trabalho da vida é ir querendo jogá-los fora pelas janelas de avião, pelos trilhos do metrô ou deixar a força do vento levar quando bate deliciosamente no rosto e bagunça cabelos coloridos no meio da Avenida Paulista.

Preconceito bobo, xenofobia boba, construção boba de identidade que a gente teima em fazer negando o outro para tentar ser alguma coisa sem saber que não podem ser além de sonhos, como diria o Álvaro de Campos saído de sua tabacaria para um chão escuro da terra-luz das pa-la-vras. São Paulo é terra de lavrar palavras, de ouvir sotaques da terra de ninguém. De se sentir em casa por ganhar tão fácil o direito de ser só mais um na multidão. São Paulo me engole em Avenidas, me perde em linhas de ônibus, São Paulo dos descaminhos do excêntrico, da moça que sai do metrô e deixa no ar poluído essa beleza do sujo, essa beleza de quem conhece a fundo tudo o que é feio.

São Paulo é terra de me apaixonar pelo movimento, pelo trem que cruza rápido a estação bonita de um progresso que já é passado. Terra em que o cinza espelhado das ruas esconde passados apagados, gritos abafados pela palavra progresso - dos quais a gente ouve ecos em nomes próprios que não se explicam, em amontoados de bairros e histórias que são só flashes, quebra-cabeças, pedaços de um isso que parece estar sempre se fazendo. E de que eu não conheci mais do que alguns pedacinhos.

São Paulo tem uma atmosfera, alguma coisa estranha que envolve e inebria, uma espécie de capa, num tom de cinza forte, bonito, marcante, opressivo e vivo - que os desavisados dirão ser apenas nuvem de poluição.

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