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segunda-feira, maio 03, 2010

Sonolento

A semana começa meio sem pedir licença. Os olhos abrem sem força nem vontade e encontram uns borrões opacos pelo caminho que não querem seguir. Aliás, caminhos não faltam, estradas escuras e desertas pelas quais a mulher-que-escreve-um-poema-no-banco-de-trás passa sem nada pensar. O grafite passeia por papéis imaginários que ela representa com a força e a superficialidade que talhou só para a ocasião. Os caminhos são tantos e o sentido - aff - nenhum. Os dias passam voando com o vento no rosto, vendo taxímetros e ponteiros marcarem velocidades que não se julga capaz de percorrer. O corpo se deixa ir pesado para lugares cada vez mais distantes e indecifráveis. O caminho para Aeda é só o caminho. Escovando a contrapelo esse relógio estranho que na verdade se tenta parar mas, quando toca o objeto, a mão submerge na penugem esquisita e predadora.
Aquele homem ainda está sentado à beira da praia sentindo os suspiros da morte lhe fazerem rodopios no estômago. Aquela velha mulher ainda briga com a fobia de dirigir e vê que os dias são círculos concêntricos de raio decrescente fechando-se ao redor de alguma parte do corpo que sempre dói a mesma dor aguda de todos os dias e não sabe precisar onde fica de tanto que parece funda. Um menino brinca de estourar bolhas de sabão sem saber da violência com que destrói os próprios sonhos. Uma adolescente catastrófica acende um cigarro e contempla a fumaça pelo prazer de ter as rédeas de sua própria morte - uma parte de si pensa no homem à beira da praia, já há tantos anos congelado no mesmo tormento.
Nenhum deles sobreviveu a nada ainda. Nem se julgam capazes por circunstância de não mais que meros reflexos de uma página encardida e sublinhada numa estante. A menina fecha os olhos e ainda dança com as garras de seu falcão presas ao bracinho frágil. São só espirais de angústias vagas e, de tão fundas, superficiais. Não quero ir muito longe, nunca quis ir rápido e também nunca saí do lugar. Não preciso chegar ao final para saber o quão perigoso é viver - nem a carência de abrir mão de minhas palavras grandes e neologismos infantis.
Tem uma doçura. Eu sei, embora não possa provar o paladar alheio, que existe uma doçura quase palpável nos sobrevoando. E sei todas as velhas histórias sobre o caminho, a estrada e a distração. Sei da urgência que se imprime na pele enegrecida pelo tempo, calor e esforço.

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