Páginas

sábado, agosto 21, 2010

A primeira vez que fiquei sozinha em casa

Minha mãe sempre trabalhou muito e desde os meus quatro anos, minhas irmãs e eu ficávamos sozinhas em casa. É claro que não deve ter sido com quatro anos que fiquei completamente sozinha em casa, mas deve ter sido bem nova. Era uma coisa tão corriqueira que não consigo me lembrar quando foi a primeira vez. Pelo que me conheço, devo ter ficado com medo do escuro, mas sinceramente não lembro.
Uma coisa que lembro bem é que gostava de trancar a porta quando ficava sozinha. Me dava uma sensação de poder numa casa em que, por ser a caçula, eu era sempre a última opção de autoridade (eu nunca mandava em nada mesmo). Muitas vezes não fazia nada demais, mas sempre deixava a porta fechada para que quem chegasse fosse obrigado a tocar a campainha e dependesse da minha vontade abrir ou não. É claro que eu abria sem pestanejar muito pois as conseqüências podiam ser desastrosas – minha mãe nunca foi boazinha. Era quase totalmente imaginária a sensação de poder que eu sentia, mas eu gostava muito.
O poder de escolha. Escolher onde colocar os móveis, como ficaria arrumado o armário, a que horas a televisão seria desligada, essas pequenas coisas que se faz na própria casa, sabe? Eu nunca fiz nenhuma delas. Nunca me senti em casa na minha própria casa (que nem própria era, assim como não é agora). Dividir o quarto com duas irmãs mais velhas era um agravante significativo. Para o bem e para o mal, nunca tivemos fronteiras claras no guarda-roupa, no controle da televisão, no uso do computador – e, por essas e muitas outras coisas, eu sempre quis morar sozinha. Não exatamente assim, eu sempre quis um espaço meu.
Sempre quis ordenar os objetos do meu jeito, escutar a música que eu quisesse e, principalmente, não ter uma televisão ligada o dia inteiro! Já vão fazer cinco meses desde que tenho o meu quarto, os meus livros e roupas nos lugares que quero e PRINCIPALMENTE não tenho televisão.
Cinco meses depois e é a primeira vez que fico sozinha em casa e não invento um pretexto para sair. Eu até tinha inventado alguns, mas simplesmente decidi ficar em casa. Ia dizer que decidi enfrentar o meu medo, mas nem foi preciso. Acabei enfrentando o peso de ter uma vida que é minha porque minha casa me cativou. Apesar da pia de louça que me espera, minha casa é exatamente o que eu sempre quis – e isso vinha me assustando há alguns dias.
Estava com um medo enorme de admitir isso e lidar com o peso de um eu-sempre-quis. É sempre tão perigoso – ainda mais para alguém que muda tanto de idéia quanto eu. Fato é que percebi que não preciso ir ao cinema, não preciso estudar, nem mesmo arrumar a casa. Não preciso fingir para ninguém que estou fazendo alguma coisa de útil porque estou em casa – e posso fazer tudo isso depois.
Não preciso nem mesmo comer ou escrever minhas emoções travestidas em textos desconexos e extremamente emotivos como costumo fazer aqui. Hoje eu estou sozinha, sem conselhos e nenhuma vontade de pintar o cabelo. Só de continuar minha vida-que-eu-sempre-quis sem culpa, com minha música e minhas palavras. Eu, que sempre fugi dos pronomes possessivos, estou aqui com todos os que posso.
Quem chegar e quem já faz parte, é claro, é bem vindo, mas a porta está trancada sim, porque afinal estamos no Rio de Janeiro.

2 comentários:

  1. aaaaaaaaah, gostei muito do texto.
    sei lá, não sou boa em comentários, mas é um texto de leitura convidativa.
    Gostei mesmo

    ResponderExcluir
  2. Adorei seu texto, e é realmente o que podemos dizer de escolhas e vontades. E faço uma comparação com o nosso coração. É estranho quando ficamos totalmente sozinhos, apenas dentro dele nós mesmos. E queremos fazer escolhas, onde colocar os sentimentos ou em que altura deixar que pulemos do penhasco. Tola sensação, a casa cheia faz parte da rotina, assim como a vazia faz parte da vida. É o ciclo!

    Estou te seguindo. *-*

    ResponderExcluir

Sintaxe à vontade: