"Escorreu pela escada, não foi? Só quero que você me responda essa pergunta simples. Só quero saber como foi que acabou, quando foi embora. Em que momento que uma coisa - se é que se pode chamar de coisa - foi substituída pela outra. Sim, porque tem de haver um momento. Um instante em que você viu o céu fechar e no meio de uma cegueira enorme aquela ilha que julgávamos ter descoberto foi inundada. O inverno se mostra no espelho e é como se me tivessem tirado uma parte que eu não sabia mas nunca foi minha. A singularidade de tudo isso é o que mais choca. Porque o costume me diz um plural que eu não vejo mais quando acordo ou quando deito esperando um sono que nunca chega. É preciso ter sonhos para dormir em paz."
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Não era nada daquilo. Rasgou o papel com uma raiva que era apenas do papel e de si mesmo, porque dela não conseguia sentir. Ou melhor, não conseguia era deixar de sentir tudo aquilo que até a véspera parecia ter significado e sentido. Agora tinha uma confusão de vazios, um papel com umas boas bobagens suicidas ou assassinas ou demasiado piegas, e uma caneta ameaçando falhar.
Pensou em muita auto-ajuda e em experiências passadas a que tinha sobrevivido. Pois é, não é que estava vivo para passar por aquilo tudo que já nem se imaginava capaz.
Depois de chorar como uma criança por duas noites e dois dias ininterruptos, tinha decidido usar um papel e caneta para tirar aqueles sentimentos disformes e sem nome de dentro de si.Nem que fosse uma escavadeira ou um bisturi, concluiu débil. O pior de sentir uma dor é saber que ela é só nossa.
Não tinha nada a fazer além de limpar com um pano incardido a tinta da caneta que acabava de estourar em suas mãos respingnado por todo o chão e manchando o papel sem endereço certo.
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