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quarta-feira, junho 23, 2010

A última folha de papel

"Escorreu pela escada, não foi? Só quero que você me responda essa pergunta simples. Só quero saber como foi que acabou, quando foi embora. Em que momento que uma coisa - se é que se pode chamar de coisa - foi substituída pela outra. Sim, porque tem de haver um momento. Um instante em que você viu o céu fechar e no meio de uma cegueira enorme aquela ilha que julgávamos ter descoberto foi inundada. O inverno se mostra no espelho e é como se me tivessem tirado uma parte que eu não sabia mas nunca foi minha. A singularidade de tudo isso é o que mais choca. Porque o costume me diz um plural que eu não vejo mais quando acordo ou quando deito esperando um sono que nunca chega. É preciso ter sonhos para dormir em paz."

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Não era nada daquilo. Rasgou o papel com uma raiva que era apenas do papel e de si mesmo, porque dela não conseguia sentir. Ou melhor, não conseguia era deixar de sentir tudo aquilo que até a véspera parecia ter significado e sentido. Agora tinha uma confusão de vazios, um papel com umas boas bobagens suicidas ou assassinas ou demasiado piegas, e uma caneta ameaçando falhar.
Pensou em muita auto-ajuda e em experiências passadas a que tinha sobrevivido. Pois é, não é que estava vivo para passar por aquilo tudo que já nem se imaginava capaz.

Depois de chorar como uma criança por duas noites e dois dias ininterruptos, tinha decidido usar um papel e caneta para tirar aqueles sentimentos disformes e sem nome de dentro de si.Nem que fosse uma escavadeira ou um bisturi, concluiu débil. O pior de sentir uma dor é saber que ela é só nossa.

Não tinha nada a fazer além de limpar com um pano incardido a tinta da caneta que acabava de estourar em suas mãos respingnado por todo o chão e manchando o papel sem endereço certo.

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