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quarta-feira, setembro 22, 2010

Capítulo Seis - Revivências

Joelmo estava com uma expressão lívida que Lúcia não soube interpretar como felicidade. No fim das contas ele não viera trazer um grande sofrimento, apenas a notícia de que casara e que agora Lúcia podia morar com ele se quisesse. Seria bem-vinda e Maryara adoraria a presença dela, se viesse. Joelmo tinha um grande medo de que seu plano não desse certo e a presença de Lúcia era um tipo de segurança bastante peculiar naquele momento.

Lúcia não queria reviver os excessos de intimidade que experimentara com seu irmão, mas por outro lado, a companhia de Maryara lhe parecia um bom futuro a seguir. Dona Carmem lhe olhava mais feio a cada dia e não gostava nem confiava naqueles clientes tão cheios de pelos e manias. Uma casa onde se refugiar não pareceu má ideia.

Não conseguiu pensar se estaria atrapalhando a vida do recente casal. Enxergou uma maneira de se ver longe de suas habituais angústias. Não parecia possível um sofrimento maior. Foi. Joelmo sempre fora um bom irmão e lhe valia a esperança de ainda estar longe de tudo o que não queria ver - nem reviver.

terça-feira, setembro 21, 2010

Capítulo Cinco - Envelope lacrado

Depois de um tempo, Lúcia já não abria as cartas de seu irmão. Era suficiente para ela saber que as coisas e pessoas estavam no mesmo lugar, faziam as mesmas coisas, tinham os mesmos problemas. Uma espécie de conforto residia em ter sua solidão inteira para degustar junto com todos os seus problemas novos e insolúveis.

É claro que um grande bocado do motivo de ter acumulado aquele montante de envelopes lacrados tinha a ver com a recusa de possíveis novidades. Não suportaria nem mesmo saber que Dario pudesse ter um grande problema, não conseguiria aguentar uma compaixão por ele no estado em que se encontrava. Ademais, não tinha interesse nenhum em ler que se formava um rótulo de felicidade em volta dele e de Marliana, que planejavam um bebê para o próximo ano, que ela havia parado com as faxinas para se dedicar ao lar. Não precisava que essas coisas ficassem ainda mais reais e constantes em sua cabeça. Não lia nem telefonava. O irmão não tinha o número da pensão, não corria maiores riscos.

Ou assim imaginava até a noite de ventos gelados em que a Dona da pensão bateu na porta enquanto se maquiava para mais uma noite. A Dona disse que tinha um homem esperando lá embaixo, que não era hora ainda, onde ela pensava que estava. O coração de Lúcia bateu como se tivesse a mesma ingenuidade de antes e o corpo cansado desceu o mais rápido que pode sem atentar a nada no que dizia a velha senhora.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Capítulo Quatro

Lúcia não gostava das noites, não gostava quando uma certa penumbra a impedia de distinguir as pessoas, as cores, os lugares. Quando se vestia, escondida sob uma maquiagem pesada e colorida que não gostava nem de olhar no espelho, não tropeçava nem perdia o caminho de volta, mas ninguém imaginava a cegueira que tinha naquelas noites.

quinta-feira, setembro 16, 2010

Capítulo 3 - Três

Poderia ser uma letra de tango com palavras totalizantes, mas o que Lúcia vivia embalada por músicas da jovem guarda e nos momentos de maior sofrimento repetia os versos "pobre menina, não tem ninguém". Naquele quarto pequeno da pensão de Dona Carmem, gostaria de ter versos buarqueanos para embalar suas lágrimas noturnas, mas quando os homens cuja soma não fizera gozavam de pressa e saíam cheirando a gim, não tinha nem mesmo essas palavras para narrar o momento para si. O costumeiro inenarrável era para ela um constante desespero.

Recebia cartas constantemente, de seu irmão e de outros tantos admiradores que já não podiam visitá-la. Guardava todas numa mesma caixa e quando a solidão parecia maior do que o suportável acostumava-se a ler nas entrelinhas uma paixão que não havia, um amor que ninguém jamais sentira por ela.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Capítulo 2 - "Concreto e asfalto"

Carregando umas poucas coisas numa sacola e muitas outras no estômago e até no ventre. A primeira porta em que ousou bater foi a segunda cujo estampido do fechar não quis ouvir. Dario nem mesmo estava em casa e, sua mãe, sempre tão amável e simpática, ofereceu um dinheiro suficiente para que Lúcia não esperasse para assistir à cerimônia do casamento dali a dois meses e se livrasse de pelo menos um dos pesos que carregava dentro de si. Quando a notícia do ma-tri-mô-nio enfim concretizado chegou - através de uma carta de seu irmão -, Lúcia já tinha até um casa onde receber uma carta. Tinha também um travesseiro onde esconder o rosto para chorar todas as habituais últimas lágrimas de sua vida. Na carta, seu irmão dizia que a festa tinha sido bonita e quase toda a cidade estivera presente. Lúcia sentiu uma ausência enorme naquela cidade de presença inestimável em que agora vivia. Respirou fundo para conter as lágrimas, sentindo a fumaça e a poeira inebriarem as partes do seu dentro cada dia mais pesado.

terça-feira, setembro 14, 2010

Capítulo 1 - A menina má

Lúcia era uma menina doce até o dia em que ficou amarga. Saiu de casa aos quinze anos sem olhar para trás nem quando sua cabeça foi obrigada a voltar-se naquela direção com o impacto do tapa. Não chegou a saber se saiu expulsa ou em fuga. Dali em diante enfrentaria todos os clichês que uma Vida dura-e-amarga podia lhe oferecer. Ela estava pronta, sua pele jovem ansiava por todos os tipos de arrepio.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Minha sinopse de Malu

Eu acho que as pessoas que escrevem sinopses normalmente viram o filme sobre o qual escrevem. Infelizmente ainda não vi Malu de Bicicleta (estou esperando ansiosamente pelo Festival do Rio, pois soube que vai passar), mas como li o livro me sinto capacitada para participar da promoção:

Fugindo de suas peripécias amorosas, um típico garanhão paulista é literalmente atropelado por uma sedutora carioca. Malu atropela Luiz com sua bicicleta no calçadão das praias do Rio de Janeiro e o clima de romance se instala. Até aí, tudo perfeito para os dois se apaixonarem e viverem felizes para sempre. O problema é que Luiz começa a provar do próprio veneno sedutor - fica difícil se entregar a um amor quando se está tão acostumado aos jogos e truques da conquista. Luiz começa a desconfiar que Malu o está traindo e, imerso nas artimanhas que costumava usar, encontra facilmente vestígios que considera ‘provas’ da traição.

Confiram o trailer:

quarta-feira, setembro 01, 2010

Problemas numéricos

Problema número um: Isso aqui não é um blog. Não sei se é porque eu sou mesmo uma pseudo-intelectual que acha divertido problematizar e relativizar tudo, mas eu nem mesmo sei o que é um blog. O mais próximo de uma definição que eu tenho para blogs é uma espécie de diário público. Isso aqui nunca foi um diário. Não, eu não vou entrar no mérito de tentar descobrir o que é isso-aqui. Rótulos nunca adiantaram para explicar nada. Como já disse antes, o mais próximo que chego a dizer é que isso-aqui que é um repositório, que se diz despretencioso, de escrita. Ou mesmo uma boneca russa com faces múltiplas mas nem tão surpreendentes assim.

Pois bem, se isso não é um blog, não faz sentido nenhum falar do dia do blog, que ninguém sabe o que é, quem criou ou para quê serve. Mas poxa, mesmo com sei lá quantas camadas de cebola na explicação do que esse lugar imaterial representa, tá escrito ali em cima o domínio blogspot. Talvez escrever alguma coisa seja necessário para pelo menos agradecer a esse tal de blogger por me hospedar de graça por cinco anos.

Problema número dois: o blogday foi ontem, né? Então leiam fingindo que vocês não sabem que dia é hoje.

Problema número três: sem saber que dia hoje tudo perde totalmente o sentido, não é? Então deixa pra lá.

Fato é que o fato aconteceu (ó!) e não consegui não pensar no que me fez/faz ficar aqui falando pro além durante tanto tempo. Somos a primeira geração da internet democratizada e mesmo que não tenhamso muitos leitores, a possibilidade de escrever alguma coisa que está disponível para o mundo inteiro é fascinante.

Não sei se é possível registrar o espanto e continuar com a minha habitual pseudo-literariedade. Vai ver estou ficando menos literária mesmo. Será o tal do adultecimento? De repente a gente vê que perdeu ou está perdendo alguma coisa morna e ingênua que vai ficando no caminho - que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado pela beleza do que aconteceu há minutos atrás.