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segunda-feira, janeiro 24, 2011

C.L. - Parte I

Para além daquele muro podia ver a estrada por onde as cartas que não havia mandado não circulavam. Uma insegurança enorme se interpunha no caminho do lápis temendo que não tivesse nada de tão grandioso para partilhar. Não tinha uma dor dessas enormes de que se pudesse ter inveja ou fingir pena.

Daqui de dentro do cinza podia fingir que o seu vazio era uma floresta densa e secreta, trancada à chave como num conto infantil. Era quase divertido imaginar-se especial, protegida por um invólucro de vidro – como esses que tem um cenário bonito e aquela adorável neve falsa – mesmo sabendo que esses muros nada tinham de transparentes.

A dor que tinha era só essa vontade seca e injustificável. Esse desejo infindo de mergulhar sempre mais na própria vertigem, no próprio silêncio, no êxtase introspectivo. Perdia horas de pensamento raivoso dizendo a si mesma que se produzisse de seus devaneios uma concretude qualquer, ou uma razão maior para ir além dos muros, perderia esse aspecto de animal enjaulado e ganharia uma golfada do ar que apenas as cartas provavam.

Não tinha o mesmo impacto de ser prisioneira. Não tinha nenhum tipo de charme nos remédios, choques e discursos religiosos. Era esse vazio que tinha vontade de pôr numa carta, mas só o faria mediante a certeza de que alguém perceberia o quão longos e compridos eram os troncos das árvores naquela floresta, de um jeito que não era possível saber se existia mesmo um sol que as alimentava de pois dali. O chão era lodoso e não conseguia nem mesmo saber se era vivo o verde que coloria as folhas.

O frio ia subindo pelos pés durante a noite e era quando uma ânsia implacável tomava-lhe as rédeas. Vinha essa vontade prisioneira de fugir, de inalar fundo e sentir o alívio percorrendo as narinas e a garganta até que viesse aquele estalo na cabeça ruindo tudo: os muros, o vidro, a floresta. No meio do êxtase, alguma parte de si percebia enquanto o desespero de todas essas coisas se erguia sorrateiro esperando a onda passar. O desespero sempre vinha na hora em que esperava o conforto de uma lareira quente de algum lugar parecido com o que já chamou de casa – sem muros, sem cinza, sem lodo. Apenas um lago distante onde fosse possível de vez em quando ver o reflexo da lua.

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