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domingo, janeiro 23, 2011

Treinando toda minha incompreensão. Eu sei o que vai acontecer. Eu sinto – é a resposta antes que você me pergunte. Sinto essa paranoia tomando ares de certeza, sinto a suspeita virando algo mais denso do que essa fumaça de desconfiança e ciúme. Eu já sei o que ela vai dizer e sei inclusive o que você vai me dizer depois. Sei que não será uma simples justificativa assim como percebo que o fim será simples, rápido e indolor como o começo. Ninguém chora à toa, por mais ensaiadas que sejam as lágrimas. Quando ela entrou por aquela porta, eu soube. Sequer me incomoda que eu não saiba o texto detalhado dessa vez. Eu sei a essência.

Sei que o dia inteiro termina antes de começar. Sei que o sol lá fora espera até eu me reerguer. Sei que eu vou chorar e vou me sentir traída mesmo que você volte com um sorriso nervoso e diga que prefere a mim. Sei que os seus dentes vão estar cheios de vontade, embora você não diga. Sei que os meus braços vão estar cheios de correntes, embora você não veja. Sei que eu também vou sorrir com meu sentimento de posse anulada e vou até ficar feliz porque você preferiu a mim, apesar de todo o desejo de ir, nem que fosse por algum tempo. Sei que vocês trocarão lembranças e recordarão confidências das quais nunca participarei. Sei que vocês não imaginam que a minha obsessão possa ir tão longe, sei que vocês não acreditam que a minha doença possa ser tão verdadeira a ponto de captar até o que vocês não dizem. Eu percebo os silêncios. Percebo quando os lábios de vocês não se tocam apenas devido ao grande respeito que nutrem por mim. Sei que você tem por mim um respeito enorme. Talvez bem maior do que o amor e o desejo que um dia teve. Também sei que esse respeito não é exatamente maior que o tesão que você sente agora.

Por isso, você vai chegar, me olhar com a maior ternura do mundo e se repetir quantas vezes puder que eu não mereço, que você não pode fazer isso comigo. Sei o quanto você tem medo da minha reação; não duvida que talvez eu me mate ou largue tudo e você nunca mais me veja; teme que eu coloque fogo em todas as coisas que foram nossas.

Nenhum desses pensamentos, por mais aterrorizadores, afasta o desejo que se instalou no meio das suas pernas. Eu percebo quando você se aproxima imaginando-se capaz de enganar seu corpo com o meu. Depois de algum tempo com os olhos fechados, você finge que goza e eu finjo que acredito para não dar na sua cara. Sei que se eu te batesse agora, você fingiria aceitar que faz parte da transa. Como eu não te bato, você dorme. Ou finge, pelo pouco tempo que seus olhos permanecem fechados. Você levanta, toma banho sem me convidar e sai daquele jeito de quem tenta fingir que não se arrumou meticulosamente. Sei que você vai encontrá-la.

Se você me conhecesse um pouco mais, saberia que eu não vou esperar para ver. Que não terei estômago para dizer que perdemos o rumo, desaguamos num rio seco ou qualquer coisa assim. Se me conhecesse como você a conhece, saberia que quando é sério eu não uso metáforas. Eu não faço cena nenhuma. Sem saber de nada disso, você vai ensaiar as frases mais doces para me dizer que não é mais como antes.

A minha melhor vingança é que você não me conheça a ponto de saber onde estarei quando o porteiro entregar a chave sem o chaveiro que você me deu de presente porque sempre odiou o que eu usava. Eu sei exatamente a cara que você vai fazer quando vir o guarda-roupa vazio sem saber se eu queimei ou fugi com as suas coisas. Você vai chorar achando que eu quis ficar com a parte mais externa já que não poderia mais ter você inteira.

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