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segunda-feira, outubro 31, 2011

A flor e a náusea (sempre ela)

As pessoas escrevem para serem lidas. Grande obviedade, grande verdade da vida, grande frase grande que todo mundo esquece. Algumas escrevem para uma pessoa em especial, umas em especial.

Lembro que, na época da escola, eu gostava muito de me gabar da minha incrível capacidade de perceber logo como era o meu principal público leitor e bem rápido cativá-lo. Um egoísmo estranho me fazia transferir o mérito (sim, ele existe para alguns) das minhas queridas professoras, que conseguiam me ensinar como escrever argumentos passáveis, para o meu imaginado talento retórico.

Também já achei que escrita era uma questão de imaginação. A história mais criativa, com alguma beleza de acréscimo venceria. Sim, a disputa tinha de estar em jogo. Depois eu descobri que podiam se danar os outros, que eu ia continuar amando as que fossem mais bregas, dolorosas, sofridas, que tocar era sinônimo de sangue, o mais quente e mais abundante. Hoje eu tendo a achar que foram as tais adoráveis professoras que me convenceram erroneamente de que eu tinha algum talento para brincar com as palavrinhas - será que um dia eu aprendo a deixar de culpar as pobres e assumo as minhas próprias contas e riscos? - e que os meus insucessos são fruto de uma falsa fé somada a um não talento.

Passei também pelo tempo de achar que o segredo das palavras está na intensidade com que você ama os musos e as musas, passaram alguns, ficaram outros, deixaram versos, contos, textos e uma preguiça emocional de reviver cada coisa para revisar cada texto. Também teve o tempo de amar os grandes e ler exaustivamente para ver se transpirava do papel algum talento que molhasse as minhas mãos. Se eu disser que não funcionou será mentira, porque amo ser "a última geração que sabe versos", como dizia Caio de um si mesmo que ele não era.

E nesse desabafo aqui que tinha o objetivo inicial de dizer que a gente escreve para si mesmo e para o outro e o outro lê a si mesmo e acha que te lê e ninguém nunca se entende, lembrei que hoje é dia de Drummond - e que é bem melhor falar dele do que o quer que seja.



"Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horasda tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio".

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Quanto às tão criticadas professoras de português, a elas a minha gratidão eterna pelo incômodo que me formiga a cabeça toda vez que leio um absurdo, seja maior ou menor que este aqui.


Um comentário:

  1. Você é absurda. Eu preciso encontrar suas professoras de Português!

    Que bom que eu te leio do meu-jeito-livre-insano-de-ser. Que bom que você se lê pra mim. E que lemos juntos, os grandes e os pequenos. E que nas mais improváveis palavras, tcharaaaaan(!) A gente descobre uma flor.

    Que venham muitas náuseas, muitos vômitos, muitas mãos, papéis, telas, reescritas, releituras, revisões!

    Serei seu público fiel, tri cativado!

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