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terça-feira, outubro 25, 2011

Fruta da estação

Sentia a proximidade das peles que não se tocavam, deveria existir um verbo para expressar apenas esse não toque, essa presença. Como quando a gente está em cômodos separados, mas se houve em ruídos, se vê em reflexões dos vidros dos móveis, se escuta nas pontas dos dedos que poderiam ser distantes, às vezes são, mas não sempre. Os pêlos que já não têm acento eriçam nessa indecisão provocante do semi-toque. Como quando você me liga para perguntar um caminho que tem plena certeza de que eu desconheço só para ouvir que não me importo de tentar descobrir junto com você. Como quando viramos noites em tarefas que passam a ser em dupla, trabalhos, relatórios, projetos, contos, aulas - porque as pessoas não sabem que a vida é em couple em tempo integral. E a gente se participa, confunde os temas e se pega gostando mais de uma coisa que nem é nossa - e nem existe para lado nenhum esse limite da possessividade.

Vamos ver um filme só para esquecer um pouco os problemas da vida? Vamos arrumar a casa só para esquecer um pouquinho os problemas de dentro? Vamos arrumar o cabelo, as unhas, as frases para esquecer um pouquinho que a vida é grande, grave e incerte? As roupas se misturam numa vaidade completamente perdoável. Nos misturamos e distanciamos numa oscilação de respiração ofegante de quando uma chega correndo para contar à outra que. Às vezes dormimos abraçadas e acordamos em disputa, às vezes a raiva pequena me faz querer olhar para a parede fingindo que nela não tem um espelho, mas quando acordo nada faz sentido antes de te olhar e ver que você ainda está aqui.

Adoro saber que o tempo vai passando e a gente vai construindo - assim, no gerúndio que indica ação em andamento e simultânea - coisas mais profundas. O erro foi acreditar que acharíamos as coisas todas prontas no caminho, talvez numa estrada de pedras coloridas. Quando abrimos a porta e vimos que não havia nada lá, não imaginávamos o quanto seria longo, intenso, saboroso, construir aos poucos, a cada dia, o nosso caminho.

Sabe aquele sentimento disforme que eu te mostrei num texto ainda escrito à lápis e você me falou em sussurros em outra língua? A gente foi falando, moldando, provando, vivendo, fazendo, definindo... E muda, como muda de planta, homonímia, cresce, tomba, muda de cor, brota, floresce, resseca, chega perto do céu, tomba no chão, vira adubo, vira jardim, desdobra em breguices, pieguices e originalidades.

Não importa quantas vezes tenhamos que mudar de mundo de casa de vida de cabelo de roupa de comida de país de trabalho etc. etc. etc. etc. - as minhas mãos vão estar coladas às suas.

E hoje não é vinte e nove.

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