Ao som de Num dia (Arnaldo Antunes)
Se o cheiro fica no corpo
depois de um abraço,
o jeito é lavar a pele.
Esfregar um por um os poros
e deixar escorrer
os cheiros, os suores, os plurais
mesmo se forem bons
até voltar pra minha solidão.
Até voltar pr'esse cheiro que eu finjo ser nenhum
e que esconde também meus pedaços de vida
que eu deixo escorrer em abraços,
misturar em odores,
refazer nos corpos que se trocam.
Até minha pele voltar assim:
(mesmo sem nunca ter ido a nenhuma parte)
pronta para dar e receber novos cheiros
que depois a água torna a levar
renova em novos ciclos
em rimas bobas
em poças
poços
mares
e torneirinhas.
A gente nega, esfrega e rega
a pele de outras vidas
que dá pra inventar.
Leva, lava e troca por sabão,
colônia, essência
e por fim
o cheiro limpinho de roupa de cama
(porque nem sempre é cheiro de gozo que povoa os dias)
Não é nos poros que eu levo os pedaços das gentes que me acompanham
Vale mais o contorno do abraço que meu corpo sabe e reaprende a cada um
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