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terça-feira, março 20, 2012

Espelhos paralelos

O cigarro aceso há alguns minutos se desmantela em filtro e apaga sozinho na forma velha de empada que faz as vias de cinzeiro para quem não fuma. A música repetida infinitas vezes deixa de ser composição da cena e revela traços da obsessão que não sabe desenhar nem lembra mais como se escreve. Algumas atividades burocráticas, alguns fundamentos ainda por fundar e já tão desgastados esperam em papéis virtuais ou calhamaços cujo peso oscila entre o peso metafórico e o literal.

Ninguém me vê fumando o filtro que é mesmo cena. Ninguém me vê usando os acordes que desconheço, cantarolando as melodias-fendas, pontiagudas, que abrem cortina para que verta em vertigem o sangue represado, contagoteado, que fica aqui por tanto tempo e, de quando em vez, não se aguenta e transborda no mais do mesmo.

Falta uma compreensão mais plena. Autoconhecimento. Esboço de entendimento de si. Falta que a crítica saia dessas mesmas palavras cifradas e toma mais coragem do que goles de erudição enrustida. Falta arrumar as roupas, o cabelo, falta lavrar, talhar com cuidado e respeito pelas próprias vontades a tal da alma. A questão é que não é por saber que se esmurra uma faca cega que não vai haver uma esperança de sair um machucadinho que seja.

A receita é falha e os ingredientes tão diferentes que nem valeria a pena começar a pensar em seguir recomendação nenhuma, mas a disposição que tem que ter para fazer algo novo e debater discutir legitimar etc. etc. etc. faz com que a gente perca um tipo de crença em si mesmo necessária para parar de ficar para sempre procurando do outro lado do vidro um reflexo inexistente enquanto assumo rompantes meio vampirescos de sugar-me ao fundo do raso.

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