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quarta-feira, maio 23, 2012

Peintre

 Uma conciliação necessária e estranha. O desprezo do indescritível se mostra em imagens, em profanações muito mais cortantes do que dramas mal contados. Uma questão de abrir-se, abrir espaço para o nu absoluto. Há quem tenha escolhido viver, contar, cortar a garganta e colocar na mesa o sangue, as linfas, obrigar os outros a viver com o desconforto que quiseram negar.

A arte pode ser pretexto, mas também pode ser o único meio de expurgar a dor que o ópio não resolve. Andar nas ruas pode ser uma maneira de filtrar o espanto, deixar que apenas o horror dos outros transmita o reflexo que não se quer de espelhos e fotografias caladas de pavor.
A ousadia de quem agoniza em praça pública, de quem vive exibindo a morte pulsante, quente, sorridente sem que ninguém tenha pedido para ver, a repulsa é maior, mas há armas. Há armas. Há armas. E há vida para além de histórias a serem contadas. Não que estas...

"Era um amor de uma tensão extraordinária que passava entre aqueles dois olhares, daquele que se concentrava pintando, e daquele que se concentrava sendo pintado. Era uma atividade física que teria tornado irrisória a atividade erótica, que ela compreendia sem exprimir, nem é preciso dizer. Mas a mesma coisa poderia ser contada de maneira bem diferente, poderia tomar dez páginas assim como algumas linhas luminosas que conseguiriam tudo relatar mas que eu não achei. É o acaso e o desespero da escritura que assim coagularam esse episódio, até que eu o rasgue e recomece, sem cessar, sempre o mesmo, até a loucura, até o silêncio" (GUIBERT, Hervé. O homem do chapéu vermelho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996. p. 80.)

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