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quarta-feira, dezembro 05, 2012

Dez mil destinos

"Dou gargalhada, dou dentada na maçã da luxúria, pra quê?
Se ninguém tem dó, ninguém entende nada
O grande escândalo sou eu"
Escândalo (Caetano Veloso).

Comprei minha virgindade por nove reais e noventa e nove centavos nas Lojas Americanas. Ok, a história não é assim. Comprei a trilha sonora do dia em que perdi a minha virgindade. Não sei se as pessoas têm isso. Parece coisa de gente psicótica lembrar a música que estava tocando quando aquela pelezinha sem importância do seu corpo deixou de existir. Mas o caso não é exatamente esse, não é o pedacinho de pele assim como não é a música que estava tocando no momento exato em que. É do início da minha vida sexual que estou falando - desde então já se vão alguns anos - e de um disco que fez parte desse processo.

Eu ouvia sempre o mesmo disco e transava sempre com a mesma pessoa - coisa que só se faz mesmo quando começa a vida sexual. Tava ali, entre um livro de receitas e um filme da Audrey Hepburn, enquanto eu tentava fugir o mais rápido possível das musiquinhas irritantes de natal: a capinha laranja e preta querendo combinar com esse período - que deve ter uma explicação astrológica - de reconciliação com todos os passados possíveis.

Esse momento de andar na rua achando que posso tropeçar numa lembrança em qualquer esquina que vem acompanhado dessa certeza serena de que, em caso de tropeço, vou pegar nas mãos a lembrança, tirar o pó e colocar em alguma prateleira da memória. Assim arrumadinho, limpinho, como deve ser.

Como se pode imaginar, comprar o disco não é só comprar o disco. É chegar em casa e colocá-lo para tocar num cenário totalmente diferente do que ele conheceu - do que eu conhecia. E parar agora para ouvir tentando lembrar sem conseguir daquela menina que sonhava com novos horizontes e com uma vida sem medidas. Posso não lembrar da menina, mas a sequência das músicas ainda é familiar. Daquele jeito anterior ao modo 'aleatório', sabe? Quando as notas finais de uma música parecem pedir e anunciar a seguinte. É assim.

Nem tão longe que eu não possa ver, nem tão perto que eu possa tocar, depois de uma vida mais confusa do que a América Central, depois da pressa que liberta e leva a outras tantas direções, depois de saber que ninguém é igual a ninguém e de ficar parada olhando-me para nada e nunca ter ido ao Paraná, depois de saber que tudo passa e as pessoas realmente acabam passando por aqui, depois de saber que o dia desses dos encontros casuais sempre chega; de acordar cedo e tarde, de aquecer a água sem querer que ela ferva; de comprar e entulhar instrumentos que poderiam ter sido uma guitarra elétrica; depois de saber que sempre há novos horizontes e que o carnaval, afinal sempre chega. E saber que mesmo que eu seja uma pessoa completamente diferente agora, o disco ainda é o mesmo, com suas letras rasas, óbvias e som sujo.

Os anos passaram e os sonhos também. As trilhas sonoras foram outras tantas (e as mesmas músicas já embalaram outros amores também), as melodias, harmonias e letras mais doces, a vida tão mais real e saborosa, mas fica ali na memória, uma memória barata, mas que não se encontra todo dia. E deixa transparecer essas metáforas envelhecidas e graves. Minha pele teve tantos outros pedaços em que se descobriu ao longo do tempo...

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