quarta-feira, agosto 31, 2011
segunda-feira, agosto 22, 2011
Asas cortadas

Me transformando em um cisne e a dor é necessária. Tudo é necessário, perigoso, divino-maravilhoso - na música é claro. Na vida real é a pele se abrindo, a carne rasgando, os rasgos alastrando em dor insuportável. Valerá à pena? Perguntaram. Alguém respondeu com um verso escrito à caneta bic roubada e já falhando: Ritos de passagem passam; há-que passar. Parecia um provérbio antigo ou sorte de biscoito oriental. Desses que não faz sentido porque faz parecer que a nossa vida devia ser maior do que realmente é. Devia ser mais cifrável e dizível em provérbios.
quinta-feira, agosto 11, 2011
Poema em linha reta
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)
[538]
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
segunda-feira, agosto 08, 2011
Antes de começar
Abri janela para o sol entrar
Mas era a chuva que estava por vir
Liguei o radio para disfarçar
Mas não tocou o que eu queria ouvir
Peguei um livro pra me distrair
Mas as palavras não estavam lá
Troquei de roupa pronto pra partir
Mas não consigo sair do lugar
Eu sei
Que já não adianta forçar
Quando um dia termina
Eu sei
Que não há o que se possa mudar
Quando um dia termina
Antes de começar
Antes de começar
Ahhhhhh
Tranquei a porta pra me esconder
Mas escutei batidas no portão
Desci a escada para atender
Mas era só minha imaginação
Fiquei num canto pra ninguém me ver
Mas ao meu lado estava a solidão
Fechei os olhos pra não perceber
Mas ela estava no meu coração
Eu sei
Que já não adianta forçar
Quando um dia termina
Eu sei
Que não há o que se possa mudar
Quando um dia termina
Antes de começar
Antes de começar
Ahhhhhh
Telefonei para um amigo qualquer
Mas do outro lado não encontrei ninguém
Pensei, ok, venha o que vier.
Mas não estava vindo nada bem
Tentei quebrar os santos no altar
Mas me senti um pouco Talibã
Eu quis mandar a casa pelo ar
Mas ela pode voltar amanhã
Eu sei
Que já não adianta forçar
Quando um dia termina
Eu sei
Que não há o que se possa mudar
Quando um dia termina
Antes de começar
quinta-feira, agosto 04, 2011
terça-feira, agosto 02, 2011
O doce e o amargo
O sol que veste o dia
O dia de vermelho
O homem de preguiça
O verde de poeira
Seca os rios, os sonhos
Seca o corpo a sede na indolência
O doce e o amargo
Indistintamente
Beber o possível
Sugar o seio
Da impossibilidade
Até que brote o sangue
Até que surja a alma
Dessa terra morta
Desse povo triste