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quinta-feira, agosto 04, 2011

O desespero de já não saber onde começou. Como se identificar o ponto exato de origem pudesse fazer diferença, como se pudesse existir origem, como se o grande e maior problema de todos não fosse justamente o oposto. Não de onde viera, mas para onde estava indo. Agora, parada na estação, tinha certeza de que para lugar nenhum. Todos os dias parava diante da bilheteria e ensaiava a compra. Sem nem mesmo ultrapassar as grades, já que não tinha um bilhete que lhe desse a permissão, via a velocidade ir ganhando aos poucos as locomotivas que se transformavam em borrões escuros. Imaginava quem estaria dentro remoendo a inveja e a própria incapacidade de escolha que pulava em seu estômago dolorosamente, todos os dias, à frente da estação.

Tinha medo da poeira que lhe sujaria a cara durante o trajeto, medo de que este fosse mais demorado do que poderia suportar, medo dos enjoos que o balanço dos vagões teria, medo de que não chegasse, afinal. Medo de que, se tentasse, se comprasse a tal passagem, se apostasse todas as suas fichas, aplicasse todo seu dinheiro e esforço, levasse toda a bagagem que passara a vida arrumando, mesmo assim não fosse capaz de chegar. Medo de que soubessem também os outros, como ela já sabia, que não poderia. Ela enxergava mais do que os outros de si mesma e sabia que a compra do passe seria apenas como atravessar as grades, a única diferença é que veria os trens sem os recortes de metal listrado, mas não mudaria o fato de que ficaria ali apenas os observando partir. Com o agravante de que perderia junto a liberdade da rua. Ficaria do lado de dentro das grades e do lado de fora do trem. Quase um limbo, a mais detestável das posições.

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