segunda-feira, dezembro 26, 2011
Continho infanto-juvenil sem título [aceito sugestões]
Não teve tempo de reparar que estava cercada por paredes brancas, algumas teias de aranha próximas ao teto, lâmpadas fosforescentes que ofuscavam os olhos se a gente olhasse diretamente para elas. Mariana não sabia porque não olhou para cima. Além das outras de sua idade que esperavam roendo unhas e/ou olhando os próprios joelhos com expressão de resignado apavoramento havia uma pessoa diferente. Uma mulher cuja altura não se podia mais que supor, já que estava sentada atrás de uma mesa na ponta oposta à porta pela qual Mariana acabara de entrar. Percebeu que era àqueles olhos frios que deveria se dirigir e achou por bem fazê-lo antes de ser interpelada pensando que, com isto, poderia evitar algum constrangimento, talvez aliviasse um pouco a sua barra ao mostrar-se disposta a colaborar.
Documentos, bravejou a moça aparentemente supervalorizando o tamanho da sala ou a distância que a mesa colocava entre si e sua vítima. A voz era de uma rudeza incongruente se fôssemos considerar o rostinho dócil e jovial de quem deveria estar do lado de cá da mesa. Não parecia ter vocação para algoz com aquelas florzinhas cor de rosa que escorriam pelo decote também pouco apropriado para a ocasião. Se fosse comigo aposto que barravam, pensou nossa Marianinha sem conseguir com este pensamento alterar a expressão apavorada.
Retirou do bolso suado do jeans última-moda-e-descolado uma caderneta escolar com as extremidades puídas e desbotadas, esperando que a moça de voz bronqueada não desconfiasse de suas incursões acidentais pela máquina de lavar. Estendeu o papel que fazia as vezes de documento para aqueles dedos finos, unhas curtas com esmalte escuro evidenciando personalidade forte e uma incompatibilidade esquisita com o colar florido do pescoço, o que fez o olhar da menina decair novamente no decote. Percebendo o atrevimento, a mulher rapidamente levou uma das mãos à região do colo, surpreendentemente deixando os seios ainda mais à mostra ao ajeitar o crachá.
O retângulo plástico com dizeres oficiais trouxe um leve estremecimento de pânico que logo desviou os de Mariana para seus próprios documentos que a outra agora tinha apoiado sobre a mesa enquanto preenchia o que parecia ser um formulário.
Assine aqui, ordenou com a mesma rispidez.
Mariana procurou nos bolsos reais e em alguns imaginários uma caneta que sabia inexistente, uma espécie de pretexto para apoiar e enxugar as mãos em si mesma antes de ser obrigada a tocar a outra. Sentia todos os seus dedos trêmulos e incapazes de empunhar uma caneta, menos ainda de escrever o que quer que fosse. Muita coisa passava por sua cabeça, um futuro perdido, as expressões terrivelmente decepcionadas de seus pais, um descompasso com os amigos, talvez os perdesse, já que seria privada de tudo o que eles teriam - a classificação grandiloquente era necessária devido ao seu total desconhecimento do que seria esse tudo, só sabia que estava perdendo.
Sem escolha, pegou a caneta que por sorte foi deixada sobre a mesa, não havendo necessidade de encostar na pele da outra. Coisa que temia e desejava simultaneamente. Paradoxo até então incompreensível para a jovem menina. Debruçou quase todo o tronco sobre a mesa a fim de disfarçar os tremores e esconder o resultado catastrófico que previa do que deveria ser o seu próprio nome. Temeu ser tomada por uma falsária de si mesma, isso devia ser ainda um outro crime cuja nomenclatura não sonhava conhecer.
Ficou novamente ereta jogando os longos cabelos para trás numa tentativa frustrada de sedução. A outra parecia impassível, concentrada em sua função cruel de ordenar e acuar as jovens presentes na sala.
As suas mãos ficaram vazias e encharcadas de suor frio. Um nervosismo intenso lhe percorria o corpo como um choque elétrico nunca experimentado, mas em seu total desconhecimento, tinha certeza de que seria essa a sensação de enfiar um dedo na tomada. De repente, imaginou-se vítima das torturas de que ouvira falar nas aulas de História, perseguidos políticos, desaparecimentos. Uma vertigem estranha lhe tirou o ar, fazendo-a procurar equilíbrio e deparar-se com aquelas lâmpadas fortes e opressoras movendo-se em círculos estranhos.
Está tudo bem?, perguntou a moça com a voz abrandada, já de pé ao seu lado como que a postos para o caso de um desmaio.
Mariana se recompôs como pode, ou seja, tentou fixar o olhar em algum ponto que parecesse mais estático que aquelas luzes dançantes.
Está sim, respondeu um pouco ofegante.
Ótimo, então pode sentar-se. A prova começará dentro de alguns minutos.
sexta-feira, dezembro 23, 2011
A gaia ciência
O sentido da nossa jovialidade. – O maior acontecimento recente – o fato de que "Deus está morto” de que a crença no Deus cristão perdeu o crédito – já começa a lançar suas primeiras sombras sobre a Europa. Ao menos para aqueles poucos cujo olhar, cuja suspeita no olhar é forte e refinada o bastante para esse espetáculo, algum sol parece ter se posto, alguma velha e profunda confiança parece ter se transformado em dúvida: para eles o nosso velho mundo deve parecer cada dia mais crepuscular, mais desconfiado, mais estranho, "mais velho”: Mas pode-se dizer, no essencial, que o evento mesmo é demasiado grande, distante e à margem da compreensão da maioria, para que se possa imaginar que a notícia dele tenha sequer chegado; e menos ainda que muitos soubessem já o que realmente sucedeu – e tudo quanto irá desmoronar, agora que esta crença foi minada, porque estava sobre ela construído, nela apoiado, nela arraigado: toda a nossa moral europeia, por exemplo. Essa longa e abundante seqüência de ruptura, declínio. destruição, cataclismo, que agora é iminente: quem poderia hoje adivinhar o bastante acerca dela, para ter de servir de professor e prenunciador de uma tremenda lógica de horrores, de profeta de um eclipse e ensombrecimento solar, tal como provavelmente jamais houve na Terra?... Mesmo nós, adivinhos natos, que espreitamos do alto dos montes, por assim dizer, colocados entre o hoje e o amanhã e estendidos na contradição entre o hoje e o amanha, nós, primogênitos prematuros do século vindouro, aos quais as sombras que logo envolverão a Europa já deveriam ter se mostrado por agora: como se explica que mesmo nós encaremos sem muito interesse o limiar deste ensombrecimento, e até sem preocupação e temor por nós? Talvez soframos demais as primeiras conseqüências desse evento – e estas, as suas conseqüências para nós, não são, ao contrário do que talvez se esperasse, de modo algum tristes e sombrias, mas sim algo difícil de descrever, uma nova espécie de luz, de felicidade, alívio, contentamento, encorajamento, aurora... De fato. nós, filósofos e “espíritos livres”, ante a notícia de que "o velho Deus morreu” nos sentimos como iluminados por uma nova aurora; nosso coração transborda de gratidão, espanto, pressentimento, expectativa – enfim o horizonte nos aparece novamente livre, embora não esteja limpo, enfim os nossos barcos podem novamente zarpar ao encontro de todo perigo, novamente é permitida toda a ousadia de quem busca o conhecimento, o mar, o nosso mar, está novamente aberto, e provavelmente nunca houve tanto "mar aberto”:
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
sábado, dezembro 17, 2011
Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios

sexta-feira, dezembro 16, 2011
Boas Novas
Ela é filha dos raios
Trovão no chão a se manifestar
Ele tem a palavra que incendeia
O andar que tudo clareia ao seu redor
Ela traz o poder da ingenuidade
Poder que opera milagres
E faz um mundo novo se inventar
Ele traz a loucura sã da coragem
E na camisa a mensagem que vem gritar:
Essa é a minha guerra!!
Que Deus e Alá hão de abençoar
Enquanto fome houver,
prosperidade não há sequer
Enquanto a ganância reinar,
escravo o homem será
Mas boas-novas ainda virão no ar
segunda-feira, dezembro 12, 2011
Aqui Neste Lugar
Quanto cabe pedir
E alguém sabe
Quanto cabe dar
Ninguém sabe
Quando cabe ouvir
E alguém sabe
Quando cabe falar
Meu amor
Será que eu posso perguntar
Quanto amor
Ainda cabe nesse seu olhar
Nós temos um ao outro, o mundo é muito pouco
Temos um ao outro e a noite para inventar
Nós temos um ao outro, o mundo é muito pouco
Temos um ao outro e o dia pode esperar
Ninguém sabe
Quanto cabe insistir
E alguém sabe
O que cabe aceitar
Ninguém sabe
Quando admitir
E alguém sabe
O que cabe negar
Meu amor
Será que eu sei adivinhar
Quanto amor
Ainda cabe aqui neste lugar
Nós temos um ao outro, o mundo é muito pouco
Temos um ao outro e a noite para inventar
Nós temos um ao outro, o mundo é muito pouco
Temos um ao outro e o dia pode esperar
A morte dos girassóis

segunda-feira, dezembro 05, 2011
sexta-feira, dezembro 02, 2011
Feriado Nacional
As datas servem para memorar em conjunto! Feliz aniversário CPII!
quarta-feira, novembro 30, 2011
terça-feira, novembro 29, 2011
Machismo na novela das oito
quinta-feira, novembro 24, 2011
A vontade de férias traz vontade de música, daquela que vem viva e com contorno de sol
De um trato certo com o tempo
Pra que o momento do encontro seja pra dois o exato momento
O amor precisa de sol
E do barulho da chuva
De beijos desesperados
De sonhos trocados da ausência de culpa
E pra você não seja nada disso
Mas eu prometo tentar aprender a te amar do jeito que for preciso
Ele faz que o improvável aconteça
Quando o amor vier não tema, tenha fé
Que ele será seu olhar, esplendor e beleza
E pra você não seja nada disso
Mas eu prometo tentar aprender a te amar do jeito que for preciso
Uma preciosa propaganda contra a assistência
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Uma das cenas mais impactantes |
domingo, novembro 20, 2011
Se essa rua, se essa rua fosse minha...

Eu sei que não é fácil. Eu sei que você sabe que eu sei que não é fácil tanto quanto nós sabemos que vai passar mas nem por isso deixamos de repetir o máximo de vezes que dá para ver se passa mais rápido. Às vezes as coisas ficam muito à flor da pele e a gente deixa entrar um ventinho da janela que chega a doer nos poros todos. A dor parece tão funda e parece ainda mais funda porque a gente sabe que, se não tivesse assim tão sensível, não ia ter dor nenhuma. Seria até bom aquele ventinho no rosto.
Queria te dizer que estamos juntas, mas sei que às vezes você só quer ficar sozinha. Queria te dizer que eu queria que as minhas frases não te machucassem e que eu queria que pudéssemos dormir todas as noites. Que essas tais pedras que temos que botar na hora de construir o caminho às vezes são muito pesadas e que eu percebo quando elas machucam os seus dedos, doem nos seus braços e ombros e eu queria que não doessem nunca, ainda mais quando é uma pedra - mesmo uma pedrinha - que você só pega para me ajudar. Vai ver o bom dessas pedras grandes e pesadas é que ajudam a construir a estrada mais rápido, aí quem sabe chega logo a hora de podermos olhar o contorno e ver como há flores e cores e céu e nuvens em formatos estranhos e tantas outras coisas que não são essa estrada.
sexta-feira, novembro 18, 2011
A gente não sabe o caminho, mas já descobriu que tem que colocar as pedras uma a uma antes de passar. E depois colocar os pés, um de cada vez, as mãos dadas, mesmo quando é tudo ao mesmo tempo.
terça-feira, novembro 15, 2011
Rejeição e histeria feminina da Música Popular Brasileira
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Ela deve sofrer de excesso de fragilidade nos ossos... |
Como eu disse, essas coisas me enojam, incomodam, mas na real, não chocam. Por quê? Porque violência contra a mulher e a ideia de que todas as mulheres são presas esperando o-macho-alfa-que-não-pode-ser-recusado são pensamentos bastante legítimos em nossa sociedade. Uma evidência disso é uma música que eu venho ouvindo com muita frequência sendo veiculada por uma das rádios mais tocadas no núcleo cult bacaninha do Rio de Janeiro.
Trata-se da canção A Doida, de ninguém menos que Seu Jorge, um dos destaques recentes da mpb, cujas canções eu costumava gostar. O título já revela bastante da imagem feminina que se desenha, não? Não é de hoje que as mulheres fora do padrão são colocadas no saco da loucura, muitos estudos no campo da História da Loucura se debruçaram sobre a patologização do comportamento fora da norma da mulher.
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Suponho que algumas pancadas devem "curar" esse tipo de coisa. |
O sucesso da música para mim está bastante relacionado àqueles argumentos que defenderam os agressores da Dani e da Rhana, já que uma mulher que dispensa um homem (porque um homem é a única coisa que uma mulher precisa na vida, certo?) só pode ser lésbica ou doida mesmo. Porque todas as mulheres devem dar graças a deus todos os dias de suas vidas por terem homens dispostos a "bancar a noite inteira" e os homens, bem eles estão certos de não aceitarem um não, porque, afinal, "eles não são de perder", quando perdem, é legítimo que fiquem p*tos e acabem quebrando alguma coisa - não será culpa deles se essa coisa acabar sendo o braço ou a cara daquela que o rejeitou.
segunda-feira, novembro 07, 2011
Compromissos, birras e frases ríspidas
Não posso negar que tenho o defeito de me sentir injustiçada. Sabe aquela mania que a maioria dos seres humanos têm de se encerrarem dentro de seus casulos cinzas achando que os seus problemas são os maiores do mundo? Então... Acho que eu passo uma boa parte do meu tempo enxergando moinhos enormes que não me deixam dar sequer um passo de tanto medo. Eu posso até saber que existem sofrimentos muito mais graves, mas, por mais que eu me solidarize com a dor do outro, não tem jeito, é só a minha que dói na minha própria pele. E dói bastante, bem mais fundo que a pele até. Às vezes dói no estômago, noutras ardes nos olhos insones, nas pernas esticadas ou dobradas, a depender das circunstâncias, por mais tempo do que deviam e queriam. Há os momentos de doer nos braços e nos ombros o peso; além das mãos, a escrita infindável (quem falou que escrever não é trabalho braçal nunca teve de dar aula escrevendo no quadro por um dia inteiro). Da cabeça não se fala, a falta de sono, a visão que parece diminuir a cada dia ignorando a minha aparente juventude.
Doem as contas, os prazos, as cobranças, as datas, as horas que passam, os passarinhos que começam a cantar, desaforados e lindos, antes que eu durma, o sol que nasce agredindo, de novo, os pobres e exaustos olhos. Dói a minha ausência de mim, das pessoas que amo e que pouco vejo nascerem, crescerem, envelhecerem. São dores pequenas que se somam e que eu sei que são pequenas e minhas. Não saem das minhas paredes, não são despejadas em cima de ninguém. Não se convertem em lamúrias para amigos - dos quais prefiro mesmo me afastar para não ficar uma pessoa chata e lamurienta. Daí que vem a outra dor, a da incompreensão.
Uma das coisas de que não gosto na vida é quando colocam o lazer na esfera da obrigação. Sabe quando você marca de ir à praia num lindo domingo de janeiro e reclamam da sua meia hora de atraso? Este é só um exemplo, pois nunca tive o hábito de me atrasar. Me entristece que as pessoas criem ainda mais causos e sofrimentos pelas minhas ausências, transformem-nas em ainda mais cobranças como se fosse porque eu gosto que fico noites em claro trabalhando, como se eu amasse trabalhar aos sábados e ter ainda uma vida para resolver no domingo, antes que chegue a segunda-feira e atropele o tempo, criando mais bolas de neve insolúveis.
terça-feira, novembro 01, 2011
Não sei onde quero chegar indo a lugar nenhum nem me pergunto mais se eu sei o que é bom para mim se eu sempre caio nas minhas próprias armadilhas.
Repetir repetir repetir até ficar diferente.
segunda-feira, outubro 31, 2011
A flor e a náusea (sempre ela)
Lembro que, na época da escola, eu gostava muito de me gabar da minha incrível capacidade de perceber logo como era o meu principal público leitor e bem rápido cativá-lo. Um egoísmo estranho me fazia transferir o mérito (sim, ele existe para alguns) das minhas queridas professoras, que conseguiam me ensinar como escrever argumentos passáveis, para o meu imaginado talento retórico.
Também já achei que escrita era uma questão de imaginação. A história mais criativa, com alguma beleza de acréscimo venceria. Sim, a disputa tinha de estar em jogo. Depois eu descobri que podiam se danar os outros, que eu ia continuar amando as que fossem mais bregas, dolorosas, sofridas, que tocar era sinônimo de sangue, o mais quente e mais abundante. Hoje eu tendo a achar que foram as tais adoráveis professoras que me convenceram erroneamente de que eu tinha algum talento para brincar com as palavrinhas - será que um dia eu aprendo a deixar de culpar as pobres e assumo as minhas próprias contas e riscos? - e que os meus insucessos são fruto de uma falsa fé somada a um não talento.
Passei também pelo tempo de achar que o segredo das palavras está na intensidade com que você ama os musos e as musas, passaram alguns, ficaram outros, deixaram versos, contos, textos e uma preguiça emocional de reviver cada coisa para revisar cada texto. Também teve o tempo de amar os grandes e ler exaustivamente para ver se transpirava do papel algum talento que molhasse as minhas mãos. Se eu disser que não funcionou será mentira, porque amo ser "a última geração que sabe versos", como dizia Caio de um si mesmo que ele não era.
E nesse desabafo aqui que tinha o objetivo inicial de dizer que a gente escreve para si mesmo e para o outro e o outro lê a si mesmo e acha que te lê e ninguém nunca se entende, lembrei que hoje é dia de Drummond - e que é bem melhor falar dele do que o quer que seja.
"Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horasda tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio".
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Quanto às tão criticadas professoras de português, a elas a minha gratidão eterna pelo incômodo que me formiga a cabeça toda vez que leio um absurdo, seja maior ou menor que este aqui.
terça-feira, outubro 25, 2011
Fruta da estação
Vamos ver um filme só para esquecer um pouco os problemas da vida? Vamos arrumar a casa só para esquecer um pouquinho os problemas de dentro? Vamos arrumar o cabelo, as unhas, as frases para esquecer um pouquinho que a vida é grande, grave e incerte? As roupas se misturam numa vaidade completamente perdoável. Nos misturamos e distanciamos numa oscilação de respiração ofegante de quando uma chega correndo para contar à outra que. Às vezes dormimos abraçadas e acordamos em disputa, às vezes a raiva pequena me faz querer olhar para a parede fingindo que nela não tem um espelho, mas quando acordo nada faz sentido antes de te olhar e ver que você ainda está aqui.
Adoro saber que o tempo vai passando e a gente vai construindo - assim, no gerúndio que indica ação em andamento e simultânea - coisas mais profundas. O erro foi acreditar que acharíamos as coisas todas prontas no caminho, talvez numa estrada de pedras coloridas. Quando abrimos a porta e vimos que não havia nada lá, não imaginávamos o quanto seria longo, intenso, saboroso, construir aos poucos, a cada dia, o nosso caminho.
Sabe aquele sentimento disforme que eu te mostrei num texto ainda escrito à lápis e você me falou em sussurros em outra língua? A gente foi falando, moldando, provando, vivendo, fazendo, definindo... E muda, como muda de planta, homonímia, cresce, tomba, muda de cor, brota, floresce, resseca, chega perto do céu, tomba no chão, vira adubo, vira jardim, desdobra em breguices, pieguices e originalidades.
Não importa quantas vezes tenhamos que mudar de mundo de casa de vida de cabelo de roupa de comida de país de trabalho etc. etc. etc. etc. - as minhas mãos vão estar coladas às suas.
E hoje não é vinte e nove.
quarta-feira, outubro 19, 2011
Não se incomode


segunda-feira, outubro 17, 2011
quinta-feira, outubro 13, 2011
Quem é mais vulnerável ao preconceito?

quarta-feira, outubro 12, 2011
terça-feira, outubro 11, 2011
quinta-feira, setembro 29, 2011

Escrevo só e ando só. Já faz tanto tempo que desaprendi a linguagem dos outros, a linguagem que eles usam para se comunicar. Principalmente a corpórea. Aí eu fico esperando um algo que aconteça dentro ou fora de mim, uma epifania que me dê algum caminho, já que eu não engano ninguém e nem quero enganar. Me afastei de gentes. Não sei mais o cheiro ou a textura que as pessoas têm. Não sei o que vou fazer nem amanhã nem no próximo mês ou no próximo ano. O mar aberto tem ondas revoltas, batem geladas no rosto toda hora, deixam mareada, com vontade de voltar para a terra firme.
Todo mundo odeia televisão

Durante toda a minha adolescência-tentativa-de-pseudo-intelectualidade eu dizia que quando tivesse minha própria casa nunca mais assistiria à televisão, que eu odiava aquilo, que atrapalhava a minha vida, que a culpa dos meus problemas de concentração era daquele aparelho ligado o dia todo etc.

terça-feira, setembro 13, 2011
segunda-feira, setembro 12, 2011
quinta-feira, setembro 08, 2011
Trilha sonora
quarta-feira, agosto 31, 2011
segunda-feira, agosto 22, 2011
Asas cortadas

Me transformando em um cisne e a dor é necessária. Tudo é necessário, perigoso, divino-maravilhoso - na música é claro. Na vida real é a pele se abrindo, a carne rasgando, os rasgos alastrando em dor insuportável. Valerá à pena? Perguntaram. Alguém respondeu com um verso escrito à caneta bic roubada e já falhando: Ritos de passagem passam; há-que passar. Parecia um provérbio antigo ou sorte de biscoito oriental. Desses que não faz sentido porque faz parecer que a nossa vida devia ser maior do que realmente é. Devia ser mais cifrável e dizível em provérbios.
quinta-feira, agosto 11, 2011
Poema em linha reta
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)
[538]
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.