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quinta-feira, julho 19, 2012

Cada gosto de vida, ao passo que me satisfaz, me aumenta a sede e a fome

Quando a gente não sente nada, entra e segue de olhos fechados por qualquer rua que dê sentido. Quando o orgulho é grande demais para pedir socorro, a gente é que vaga sob as duras penas de não ter a alma tão funda como supunha. A dor cicatriza rápido quando a gente já conhece os remédios, coloca os curativos certos. Mas o vazio de sempre, a angústia, o tédio - que eu nem sei se é um sentimento - nada cura, nada ameniza, nada consegue pintar de uma cor bonita, nem que seja esse cinza clarinho da minha janela da qual não quero ter de me despedir.

Aquilo que a gente ilude dizendo que já não existe, pulsa em partes diferentes do corpo. Depois de um tempo, a gente se contenta tanto com qualquer emoção, que confunde mesmo desejo com encantamento. A gente se perde em corpos pelo prazer do desconhecido, pela graça das contradições aparentes de quem não se suspeitava. Dá pra desenhar constelações novas em novas peles, há outros encaixes que soam quase perfeitos quando há uma preocupação qualquer com a cena, com o texto, com o cenário. Somos bons diretores e nos fazemos bons personagens. Não parece uma razão suficiente o meu respeito pela sua preocupação cênica.

Eu, afinal, consegui conquistar o ar blasé e invernoso de quem já teve e perdeu um grande amor. Você me cativa com dores maiores, com ausências maiores que me fazem pensar duas vezes antes de desligar o telefone na cara do meu passado freudiano. Posso pensar até dez vezes e ainda assim o faço depois de já ter desligado com uma desculpa menos amarga do que desejaria.

A linguagem é demasiado limitada para procurar as razões do que faz bem, mas eu não tenho... (o que será que é preciso ter? Nem sei...). Não tenho fibra (talvez seja isso) o bastante para cortar uma orelha. Me desestimula até o desafio do corpo, que não se espreguiça nem vai muito longe no meio de um inverno tão rigoroso. Mas aquilo que eu finjo chamar de alma, vai aonde chamarem - vai por saber que qualquer prazer é o que faz um pedaço de vida valer os dias que passam um atrás do outro antes da interrupção para a qual nunca estaremos preparados.

A frase se repete em minha cabeça toda vez que você se vai e eu não sei se gosto mais do momento em que você esteve ou do talento que você tem para me deixar com mais vontade quando a porta fica assim aberta, a música ainda tocando e meu corpo ainda quente. Fica sempre um cheiro que gruda no ar e na pele e se converte em narrativas já menos comprometidas intelectualmente na minha cabeça. Os paradigmas rodopiam junto com náuseas, revoluções e detalhes indizíveis. O que não passa de um problema geracional a gente resolve esperando o tempo passar, assim como o passado não cabe no guarda-roupa, o novo, como grita a lancinante Elis, sempre vem.

E aí cada pequena coisa compensa e cada compensação dá uma esperançazinha pequena de que ainda seja possível se jogar em abismos e perder a direção da rua que a gente entrou por falta de melhor caminho. As penas emprestadas de uma alma qualquer eu mergulho em nanquim e desenho meu barco que está prontinho pra navegar no mar que eu construí de lágrimas.





*O título é um trecho do poema "Da Vida" de João Pedro Magalhães de Sá.

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