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domingo, julho 22, 2012

Dedicatória

"Para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba".
 (Paulo Mendes Campos)

Na falta de coragem de tirar de mim o sangue, me perco no seu olhar-abraço-voz. Nem sei se é quente, rápido que foi. Devo admitir que não deu tempo de planejar perdições. Daria tempo de despertar sonhos, se eu ainda soubesse. Qualquer distração parece que serve. Dito assim parece que te desprezo. Saiba que não é o caso. O caso é que as frases curtas, re-pe-ti-tivas, mal conectadas, escondem uma admiração distante. Uma inveja funda que se confunde em desejo. Um desejo que não é só do teu corpo. É da tua vida que quero em posse e quero em vida. Quero vampirizar tua ânsia de paixões, sua desenvoltura para pedir de mim mais do que posso dar e menos do que gostaria.

Eu me abro demais. Sempre me abro demais e perco completamente os limites do senso. Eu me publico. Eu sempre faço manchetes dos meus sentimentos para ver se os crio. Pra ver se alguém compra o que fica ali exposto na banca. Às vezes funciona, às vezes vira caso de polícia. Minhas letras são garrafais, mais finjo fingir que não. Dissimulam escrúpulos num gesto tão falso como quando eu acendo um cigarro.

Você olha e pede um abraço em agradecimento por eu ter feito exatamente o que você pediu. Pode ter pedido com o inconsciente até, mas eu sou boa a esse ponto em interpretação. Te dou um livro, te leio uma página, te abro minha alma que, mesmo sem ser grande coisa, é o que de mais fundo tenho para te oferecer. Quero te oferecer mundos que você desconhece, quero te dar um leque de sabores de vida pra você provar e depois escolher feito sabor de sorvete. Quero te dizer que o mundo é grande, que as melhores sensações não estão só nas páginas dos livros, que você pode pegar a estrada e sentir o vento no rosto afastando seu corpo das raízes empoeiradas, dos julgamentos prontos, das pessoas de alma tão pequena remoendo pequenos problemas. Não tenho sequer a pretensão de pertencer a esse mundo grande que você merece, acho que você tem todo direito de provar muito mais corpos, muito mais cheiros, muito mais gostos, muito mais curvas do que as que você já conhece, do que as que imagina conhecer e do que as que te serão completamente inesperadas. Se couber minha opinião, apenas direi que adoraria.

Mas se você também é só uma coisa que eu quero porque não tenho, porque não posso ter e querer o que não posso ter é um outro jeito de aprender a aceitar que a gente nunca tem mesmo. A gente ocupa espaços, representa papéis, finge que pode preencher vazios mais fundos que o imaginado, matar as sedes que ninguém mata. A gente se deixa cair confortável em qualquer vida que soe como uma luva, que cubra com panos quentes as feridas e os abismos, que faça parecer que é possível fingir que a solidão medonha não existe. Quando a gente se deixa cair mais confortável é que puxam de repente a luva, o tapete, o chão e a queda livre tem essa mistura de poeira, nada e vômito que gruda na boca, na garganta, nos lábios que se ressecam e parece impossível sentir outro gosto mesmo sabendo e forçando o corpo a saber que há muitos.

As cortinas fecham de quando em vez e a gente é obrigado a trocar a maquiagem, o figurino, troca cenários pra garantir. O mais difícil é escrever um texto novo. Mas pra quê? Se posso por em suas mãos, em sua cabeceira, em seus lábios aquele roteiro já tão pronto e bonito. Posso fingir na minha imaginação bem menos fértil do que imagino, que não há hierarquias nem relações de poder. Porque na verdade, nem é um mundo meu que quero te apresentar, quero é me jogar nessa trilha sonora que você me prepara, quero debater as angústias tão certas e petulantes que você tem apesar de e por causa da juventude, quero sorver tuas palavras, degustar embasbacada a forma displicente como você solta a fumaça do cigarro, quero me deixar embalar pela tua voz crítica, firme e perdida. Quero alimentar teu interesse na verdade tão mais fundo que o meu. Quero roubar um pouco da paixão que ainda tens nos olhos, te convencer que a direcionas pelos caminhos errados, quero te dar mapas.

Quero te prometer esse milhão de mentiras só para mergulhar fundo nas coisas inomináveis que esse abraço curto desperta. Quero me deixar levar pelo desconcerto, pelo não saber onde colocar as mãos quando você me oferece um cigarro. Quero ficar horas ouvindo seu jeitinho calmo de falar, te chamar pra tomar um café enquanto te falo as bobagens mais amenas para ver se do outro lado da mesa enxergo uma lasca do sangue da tua ferida que sei que também é aberta e incurável. Eu quero te dizer que conheço unguentos que aguçam as sensações.

Quero é jogar esse quebra-cabeças bagunçado no colo de qualquer pessoa que apareça - qualquer não, desculpe! Quero jogar essa bagunça mal ajambrada de mim em cima de quem tenha apreço literário o bastante para juntar os versos, os fios de barbante, os cacos de vidro, as noites de frio, os pincéis espalhados, os pelos de gato, a luminária, as bolinhas, as listras, o cabelo preto, os planetas em capricórnio, os graus de astigmatismo, o gosto por capuccinos, os timbres perdidos na mente, as citações decoradas e repetidas em voz alta, as birras de criança, a resolvicência de adulta, a petulância, o ar professoral e mandão, os segredos que moram em pedras-quentes-que-encostam-na-sola-dos-pés, as palavras, embaralhadas, perdidas, as peças, pedaços, fragmentos bonitinhos, sujos, gosmentos, doces, quentes, ferventes, gelados - desde que jogue fora tudo o que estiver em temperatura ambiente.

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