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terça-feira, julho 31, 2012

Para se ler ao som de Mergulho.

Bicho ferido fere. Grita, guincha, esperneia e esparrama seu sangue enquanto se debate e lanha ainda mais a pele nas paredes das grades. Quem se debate é afogado, sussurra em seu ouvido uma voz distante, um dos muitos fantasmas que atormentam as madrugadas frias que não cabem nas horas infinitas e nascem em manhãs cálidas, frescas, às vezes até ensolaradas.

Bicho ferido quer arrancar sangue alheio. Ferve os olhos de vingança enquanto observa acuado e imóvel os dedos que mergulham fundo em tuas feridas hemorrágicas. É preciso tempo e solidão para lamber cada uma delas com o devido cuidado. É preciso cicatrizar e esquecer o quanto doeram antes de colocar a cara à tapa.

Bicho ferido quer mesmo é chafurdar na dor e mergulha em qualquer possibilidade de. Gosta de sentir as patas enlameadas em poça de sangue, chapinhadas da lama do poço. Bicho ferido sabe que, se for pra doer, sempre vale estender a outra face. Bicho ferido confraterniza versos bíblicos como se fossem poesia entre copos de cerveja às quatro da manhã de sábado - não sem mesclar o embasbacamento cristão com lembranças de sórdidos pecados.

Bicho ferido quer que lhe lambam o ego, já colocou há tempos tua jaula ensanguentada na vitrine e vez em quando um visitante do zoológico joga um pedaço de fruta. Ele faz piruetas enquanto deseja que não seja banana.

Bicho ferido pode demorar um pouco para perceber que abriram a jaula, pode achar mais confortável ficar um tempo sentado olhando como fica diferente a paisagem sem as grades no caminho. Lambe o sangue do chão antes de levantar para evitar novas quedas. Certifica-se de que aos poucos as feridas fundas, inflamadas, vão criando casca. Ainda dói se um desavisado tocar, isso ainda o fará guinchar de dor, mas já é possível vislumbrar cicatrizes charmosas em seu lugar. Por isso, aos poucos o bicho espreguiça o corpo, estica as patas, fareja a insegurança do terreno e dá os mais pequenos passos até ultrapassar os limites da porta. Dali, uma pequena esticada no pescoço faz com que o vento bata no rosto. Dá aquela ardência da pele ainda em carne viva e junto aquele frescor de saber que toda bofetada nos dá um rosto novo. A passos tímidos rompe as grades e se entrega ao galope veloz e inconsequente de quem só quer dar com a cara no primeiro muro.



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